Hoje
me lembrei de uma foto onde um professor dizia que estava feliz pois suas mãos
estavam sujas apenas de giz, e comecei a pensar a respeito. De que estavam
sujas minhas mãos?
Nos
últimos meses me vi envolta em reflexão a respeito da Medicina e sua via crucis no Brasil. Vivi o processo do
paciente terminal. Me senti revoltada, indignada, arrependida, agredida, e
envergonhada por tudo que via, lia, ouvia...
Pessoas
que foram atendidas por mim, no “postinho”, às vezes sem direito de passar por
ele, por que moravam do outro lado da cidade, mas que faziam questão de passar
comigo, a médica do postinho, e que foram atendidas por mim, mesmo assim, um
paciente a mais no dia, sem direito a descanso e sem almoço, escondidos da
administração... esses mesmos pacientes, publicando artigos, comentários desonrosos, vergonhosos sobre os
médicos do SUS, os médicos do Brasil... eu me senti enganada, ludibriada,
ofendida. E pasmem, eles ainda continuam passando comigo, acho que pensam que
eu não li os comentários deles... acham que o médico não ouve, não vê, não sente.
E ainda continuam sendo atendidos com um sorriso no rosto, como se nada tivesse
acontecido. Não sentem vergonha?
Minhas
mãos estão sujas sim do suor do meu trabalho, 12h por dia, de segunda à
sexta-feira, do sangue daqueles que um dia suturei, das mágoas e ressentimentos
que um dia presenciei, das lágrimas que um dia sequei, da vida. Minhas mãos
estão sujas do suor da vida, das
lágrimas por mim choradas diante de tanta dor e sofrimento presenciadas
diariamente. Isto sim, sei que poucos
verão sentados confortavelmente em seus sofás, assistindo o Fantástico e Jornal
Nacional.
Minhas
mãos estão sujas sim pelo pedido de socorro ouvido em vão, quando não pude,
mesmo querendo, ajudar alguém. Quando, mesmo tendo o diagnóstico feito, não
pude evitar a morte de alguém. Quando tive que consolar a família, com
argumentos que não convenceriam nem a mim. Dizer o quê diante da lentidão do
sistema, da burocracia, da falta de recursos? E trabalho em São Paulo, a
capital. Vocês podem imaginar o que acontece no resto do Brasil?
Sei
que sou médica. Antes, durante e depois desta vida. Tenho orgulho de minhas
escolhas, de optar pela periferia, mesmo quando ouço críticas (justas) às
condições que enfrento lá. Fiz escolhas embasadas em minhas crenças pessoais, e
ninguém tem a obrigação de pensar como eu. Acredito e isso me basta. Ontem
alguém me beijou as mãos em agradecimento pelo resultado do meu trabalho, e eu
beijei suas mãos em retribuição. Faço do meu trabalho, a extensão da minha
religiosidade, do meu sacerdócio. Se isso me basta, acho que estou no caminho
certo.
Acho
que a cura está chegando.
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