UMA BARRA DE MINÉRIO ATRAVESSA-LHE O CÉREBRO Até hoje Damasio se interessa pelo caso, fizeram-lhe sofrer
uma bateria de testes psicométricos, e examinaram seu
cérebro por IRM (imagem por ressonância magnética).
Ele descobriu uma lesão no nível da parte frontal de seu cérebro.
E absolutamente nada no outro. É obrigado então a constatar que este único “problema” arrebatou
uma inatitude ao tomar as decisões. Elliot era bom e bem doente. Damasio e sua equipe erraram em conseqüência da ocasião de
escrutar o cérebro por um bom vintém de casos iguais ao de Elliot.
Todos apresentam lesões tocantes a uma das estruturas cerebrais
ligadas às emoções e à tomada de decisões: o córtex pré-frontal
ventro-mediano. Entre aqueles numerosos casos estudados, sem
dúvida que um dos mais curiosos de todos os anais médicos: aquele
de Phineas Gage, que, em setembro de 1848, no momento em
que trabalhava em uma construção de uma ferrovia, em Nova-Inglaterra
(Estados Unidos), foi vítima de uma explosão acidental: uma barra de
minério, 1,80 m, lhe atravessou o crânio e o cérebro.
UM DETECTOR DE EMOÇÕES
Até mesmo as pessoas “normais” quando vêem imagens carregadas de
grande emoção, têm as secreções sudoríparas aumentadas. No caso
das pessoas sujeitas a lesões cerebrais, não há nenhuma resposta epidérmica. Gage não somente sobreviveu, mas parecia totalmente consciente após
o acidente, e foi imediatamente capaz de andar e de falar. Mas, assim
como no caso Elliot, apesar de quase um século e meio mais tarde,
sua personalidade se modifica profunda e definitivamente. Certamente,
ele não apresentava nenhuma desvantagem de motricidade e de linguagem,
era capaz de aprender, e sua memória e sua inteligência estavam intactas.
Somente seu comportamento social foi modificado. Dantes responsável,
socialmente bem integrado e apreciado, tornou-se muito rapidamente irresponsável,
grosseiro e caprichoso. Perdeu seu trabalho e passou os doze anos que
sobreviveu a vadiar, a se exibir no circo Barnum, antes de morrer em 1860.
AUTÓPSIA DE OUTRO ACIDENTE
Felizmente pela corajosa ciência, cinco anos após a sua morte, seu
médico pessoal pede a sua família autorização para exumar o corpo e
recuperar o crânio - que se encontra de agora em diante na Universidade
de Harvard. Retornando à nossa época: Albert Galaburda, neurólogo e velho amigo de
Damasio, toma todas as medidas do crânio lesado. E em 1994, Hanna
Damasio e seus colaboradores reconstituíram em três dimensões,
graças às técnicas imaginárias assistidas pelo orientador, o crânio de Gage. Após reconstituir o trajeto da barra de ferro através daquele que
poderia ter sido seu cérebro, o resultado daquela verdadeira autópsia
do outro acidente: Gage e Elliot apresentam lesões estritamente parecidas. A compilação de todos aqueles dados permitiu aos pesquisadores americanos
aperfeiçoar os testes práticos sobre Elliot e seus semelhantes e precisar as
relações entre a razão e as emoções. Assim Daniel Tranel, um colaborador
de Damasio, teve a idéia de aplicar em Elliot um teste destinado a detectar
as emoções. Este consistiu em apresentar ao paciente imagens trágicas:
casas em fogo, assassinatos, tremores de terra, feridos, etc...
Elliot não sofreu estritamente nada ... Damasio se recorda: “Era absolutamente irreversível. Estava na medida
de conhecer, mas não de sentir”. Estas descobertas conduziram o neurólogo
a construir a mais espantosa das teorias da pura razão. “A observação dos
pacientes, assim como Elliot, sugere que a fria estratégia evocada por
Kant e por outros autores pareça mais de uma maneira cujas pessoas
acometidas de lesões pré-frontais procedentes por tomarem uma decisão
do que aqueles indivíduos normais”. Se é que nos ameniza, pensemos no famoso aforismo de Descartes.
“O coração tem razões que própria razão desconhece”. Damasio,
retoma totalmente a fórmula: “O organismo tem certas razões,
que a razão deve absolutamente levar em conta”, considera ele. Para os neuropsicólogos da cidade de Iowa, não existe portanto,
razão no estado puro. Não há corte, entre o corpo e o espírito.
O homem é um todo. Uma impressão ainda não confirmada por um dos últimos casos
observados, aquele de SM, foi recentemente objeto de importantes
publicações nas revistas científicas anglo-saxônicas (natureza, especialmente).
Trata-se de uma mulher incapaz de decifrar o medo sobre o rosto de outro.
Isto pela simples razão daquela pessoa apresentar uma lesão na amídala,
uma parte do cérebro, devido a uma calcificação seletiva
(Doença de Urbach - Wiethe). De onde, sem dúvida, surgem graves
dificuldades sociais. De maneira geral, SM ilustra portanto perfeitamente
bem a importância das relações entre o mundo das emoções e da
consciência ou da tomada de decisões. A causa dos problemas sociais de S.M. pode parecer diferente daquela
de Elliot ou de Gage, ou daqueles que, como eles, apresentam
danos no nível orbital do córtex frontal. Antônio Damasio, pensa
totalmente o contrário. Ele considera que estes são aspectos
do mesmo problema. A deficiência de SM sustentou de fato sua
hipótese, segundo ele aquela tomada de decisões sociais adaptadas
implica nos sinais emocionais ou de outros indicadores do estado do
organismo. Estes sinais, que Damasio chama de “marcações somáticas”,
são utilizadas para avaliar se uma decisão particular seria uma
boa ou uma péssima conseqüência. Um “guia” da sobrevivência.
No córtex frontal se
encontram “as zonas
de convergência”
que integram as conexões
entre uma determinada
situação e os estados do
corpo (algumas das múltiplas
situações e percepções memorizadas). As zonas de convergências
alimentam os “marcadores
somáticos”, um tipo de
guia automático que orienta a
escolha do indivíduo
visando a sobrevivência.
AS EMOÇÕES NOS AJUDAM A PENSAR CERTO
Para todos os seus colegas, esta teoria é uma das maneiras mais
originais da neurologia nos últimos anos. É um aspecto
essencial de alto nível de complexidade existente no humano
que se põe em relevo nessas pesquisas. Grosso modo, isto significa
simplesmente que nós “pensamos com o nosso corpo”. Que as
emoções são literalmente “corporalizadas”. Uma visão da natureza
humana que Freud e a psicanálise não desmentirão sem dúvida.. Antônio Damasio explica: “Quando nós somos confrontados a escolher,
o que se passa? Fazemos um tipo de análise de custos e benefícios,
olhamos todas as opiniões, pegamos um lápis e começamos a calcular.
O que se passa se eu fizer assim ou assado? Se utilizar este único
método - mesmo para tomar uma simples decisão? Há tantas
possibilidades, tantos resultados intermediários, que para decidir
se você aceita jantar comigo esta noite, lhe será necessário pelo
menos uma hora, ou, é provável que você possa responder a um
convite por sim ou por não em alguns instantes. Por quê?”. Penso que nós somos talvez ajudados pelas emoções, responde
o neuropsicólogo. Se no decorrer de nossa vida temos de aprender
o que é bom ou não para nós, seria apropriado, hoje e no futuro,
desenvolvermos um tipo de guia automático. Eu chamei este
mecanismo de marcador somático. É ele que ajuda a eliminar as
opções piores, ou que, ao contrário, pode levar a uma escolha das
conseqüências benéficas. Mas, estes famosos marcadores somáticos
não estão de fato situados nos lóbulos frontais. Não se encontram
na realidade, nestas regiões, meios de generalizar os marcadores
somáticos. “É o que eu chamo uma zona de convergência”, precisa Damasio. Esta constata as conexões entre certos estados do corpo e de uma
dada situação. Até a zona de convergência ser ativada, uma multidão
de ordens partem em direção à amídala, ao tronco cerebral, ao hipotálamo,
para criar um estado particular então apresentado no córtex somato-sensorial.
“E este serve de marcador. É tudo simplesmente o estado que qualifica
uma imagem ou uma situação particular”. Após vários meses então, Damasio tenta mudar sua teoria dos
marcadores somáticos. E este, ao estudar a resposta epidérmica
às emoções graças aos testes de “condutância cutânea”. O princípio
é o mesmo que aquele dos detectores das mensagens: assim, quando
contemplamos uma cena que nos afeta, certos elementos do
nosso sistema nervoso preparam um aumento da quantidade de
suor produzido pela pele, quase imperceptível, mas detectável
si passar por uma fraca corrente elétrica.
O CASO DE PHINEAS GAGE
A mulher e colaboradora de Antônio Damasio, Hanna, realiza
a reconstituição graças às técnicas imaginárias assistidas por
um coordenador; a lesão cerebral e o crânio de Phineas Gage.
Teve o crânio, em 1848, transpassado por uma barra de ferro.
Extraordinariamente, Gage sobreviveu à sua ferida, mas sua personalidade
foi profundamente afetada.
UMA TEORIA QUE REPOUSA SOBRE CENTENAS DE CASOS Em uma Universidade em Iowa, os pesquisadores então
assumiram vários grupos de discussões das projeções
das séries de dispositivos, para a maior parte banais,
mas entrecortados de quaisquer sessão de subversão
e movimentação. Resultado: os assuntos “normais”
apresentam aos olhos de quaisquer fotos dramáticas,
uma importante resposta epidérmica. Então, nem Elliot
e nem os outros pacientes sofreram algumas das mesmas
lesões cerebrais. Se é isto, lógico, totalmente significativo. Evidentemente, a teoria coaduna com a neuropsicóloga
americana que não responde unicamente aos casos de Elliot,
SM e Gage. Ela é constituída sobre o estudo minucioso por anos,
durante as múltiplas lesões diferentes e suas conseqüências
nos casos de centenas de pacientes. Damasio opta por uma
aproximação muito concreta aos mecanismos mentais.
Ele trabalha sobre os casos reais e não sobre os modelos
animais ou as experiências de laboratório. Sua mensagem é clara:
“O espírito respira o viés do corpo e o sofrimento, que ele tenha
sua forças no nível da pele ou da imagem mental, preso ao efeito
da cadeira”, afirma ele. E Antônio Damasio conclui com precisão, como para desculpar-se
antes deste reducionismo um tanto blasfematório: “Demonstrar
que a percepção de uma determinada emoção depende de um certo
número de órgãos do corpo não diminui o valor daquela percepção o
ponto de um fenômeno humano. Nem a mágoa, nem o êxtase que podem
acompanhar o amor ou a arte se encontram desvalorizados pelo fato
de nós cumprirmos quaisquer dos milhares de processos biológicos
que fazem dessas emoções aquilo que são”. “É precisamente o
contrário que é verdadeiro: nós não podemos estar espantados
diante da complexidade dos mecanismos que tornam possíveis
estes sortilégios. A percepção das emoções é a base daquilo
que os seres humanos chamam, depois de milênios, a alma e o espírito”.
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