sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Dádiva em Si - Marcel Mauss

Marcel Fournier


Metade da década de 1930. Marcel Mauss tem sessenta anos. No plano profissional é o "sucesso": acaba de ser nomeado professor do Collège de France depois de uma luta acirrada que o opôs ao clã dos católicos e a todos aqueles que não queriam ver a sociologia (durkheimiana) entrar na fortaleza. Mauss é também directeur d'études na Ecole Pratique des Hautes Etudes, Seção de Ciências Religiosas, e secretário do Instituto de Etnologia de Paris, fundado por ele em 1926. Aquele que nunca quis ser um modelo faz "escola" diante de alunos fascinados e desconcertados: "Ele sabe tudo", dizem eles. Nunca ele ensinou tanto: mais de nove horas de aula por semana. Seu brilho é internacional: convite para apresentar a Oxford Lecture, correspondência com antropólogos e sociólogos do mundo inteiro, principalmente ingleses e americanos, etc. É "a glória", como reconhece Paul Fauconnet quando Mauss é convidado para ir a Copenhague em 1938.
Em meados da década de 1930 dá-se a vitória - por longo tempo esperada - dos socialistas, o Front Populaire. Mauss conhece Léon Blum desde a década de 1900. Fiéis a Jaurès, Mauss e Blum militaram no Partido Socialista; no imediato pós-guerra opuseramse à criação do PCF e lutaram para conservar a herança de Jaurès no interior da SFIO. Mauss foi jornalista e administrador do Humanité,colaborou no La Vie Socialiste e participa ativamente, com Blum, da aventura do Populaire. A chegada de Léon Blum ao poder vem de alguma maneira coroar trinta anos de luta.
Tanto no plano profissional como no político, a década de 1930 pode parecer, para Mauss, uma espécie de apogeu. E no entanto... Fissuras aparecem, numerosas: um encargo pedagógico e administrativo muito pesado, problemas de saúde - seus e sobretudo de sua mulher-,dissensões no interior da SFIO e, como pano de fundo, a ascensão do fascismo. No seio de seu partido Mauss está entre os minoritários, com Renaudel e Déat, mas não pretende afastar-se nem filiar-se ao novo Partido Socialista da França em 1935. Já bem menos ativo, o "velho militante" encontra-se imobilizado, paralisado. Por outro lado, as obras que Mauss empreende - a que trata da Prece, mas também as que versam sobre o Bolchevismo e a Nação - ficam inacabadas. Seus trabalhos estão dispersos: "É provisório", queixa-se ele. Mesmo o relançamento do Année Sociologique fracassou e o futuro da nova fórmula dos Annales Sociologiques parece muito duvidoso. O herdeiro Mauss - ele é sobrinho de Durkheim - não consegue fazer frutificar sua herança. Finalmente, no plano pessoal, Mauss defronta-se com numerosos problemas: casa-se tardiamente em 1934 e pouco tempo depois do casamento sua mulher tem de ser hospitalizada devido a um acidente com gás. Mauss, também doente, transforma-se em enfermeiro. Em suma, de um lado a glória; de outro as dificuldades, para não dizer os fracassos.
No momento estou concluindo a redação da primeira biografia intelectual daquele que aparece como o pai da etnologia francesa. Esse trabalho me permitiu descobrir um grande número de textos pouco conhecidos (artigos de jornais e revistas) ou inéditos (conferências, manuscrito sobre A Nação) e também tomar conhecimento da correspondência pessoal (inclusive mais de quatrocentas cartas de Durkheim)(1). Gostaria hoje de 1) traçar um retrato tão completo quanto possível de Mauss - o erudito e o militante - e 2) isolar um dos "fios condutores" de sua vida intelectual e política. Esse fio, como indica o título de minha conferência, é a Dádiva, a dádiva de si.
1. Marcel Mauss, o erudito e o militante
Marcel Mauss é espontaneamente identificado a Emile Durkheim, de quem é sobrinho, discípulo e alter ego. "A sombra de Durkheim", dizem aqueles que querem qualificar uma atividade intelectual realizada em estreita colaboração: compilação das tabelas para o Suicídio, atividade na revista Année Sociologique, fundada em 1896, redação do ensaio sobre "Algumas formas de classificação primitiva". Desse excesso de trabalho em colaboração, Mauss afirma: "Colaborei em tudo o que (Durkheim) fez, como ele colaborou comigo e mesmo reescreveu páginas inteiras de meus escritos."
Certamente colaboração, mas também dependência. O tio forma seu sobrinho; exerce também sobre ele uma vigilância estreita, muitas vezes enervante, e não somente sobre o seu trabalho mas também sobre sua vida privada. É, aliás, "a partir das indicações de Durkheim" que Mauss se orienta, depois de sua agrégation* de filosofia em 1895, para a sociologia religiosa, e que realiza estudos sobre história das religiões na Ecole Pratique de Hautes Etudes.
O destino social do tio e do sobrinho é semelhante: estudos de filosofia, agrégation, carreira no ensino e na pesquisa. Itinerário típico de jovens judeus provincianos que "subirão" para Paris: "O judeu procura", escreve Durkheim em O Suicídio (1897), "se instruir, não para substituir seus preconceitos coletivos por noções refletidas, mas simplesmente para estar melhor armado na luta. É para ele um meio de compensar a situação desvantajosa que lhe reserva a opinião pública e, algumas vezes, a lei."(2)
Os dois nasceram em Epinal, na região dos Vosges, Durkheim em 1858 e Mauss em 1872. Os dois recebem uma sólida educação judaica. Durkheim tem como outro prenome Moïse e Mauss, Israël. Pesada herança. Ambos se distanciam em relação à religião - alimentação não casher, casamento laico da filha de Durkheim - mas continuam muito ligados à sua comunidade e participam das festas familiares. Mauss segue então os passos de Durkheim, assiste também às aulas de seu tio na Universidade de Bordeaux. Outro ponto em comum: Mauss perde o pai no mesmo ano em que Durkheim perde o seu. 1896, é preciso lembrar, é o ano da criação da Année Sociologique; 1895 e 1896 são também, segundo Bernard Lacroix(3), os anos do verdadeiro início da sociologia (durkheimiana) das religiões: "(...) Em 1895 tive a noção clara do papel capital desempenhado pela religião na vida social. Foi nesse ano que, pela primeira vez, encontrei o modo de abordar sociologicamente o estudo da religião. Isso foi para mim a revelação"(4). No mesmo ano, depois de ter passado na agrégation (3e), Mauss se orienta para o estudo das religiões dos povos ditos não civilizados.
Portanto, mesmo destino social. Mas, em um e em outro caso, uma maneira diferente de realiza-lo. Em mais de um plano Mauss se distingue de fato de seu tio:
a) Antes de tudo, no plano da personalidade e do modo de vida. Durkheim é um homem de aparência severa, que impõe respeito: fisionomia pálida, fronte alta e desnuda, barba curta e bigode cerrado, nariz forte de rabino, olhos profundos (5). Sua vida é ascética, inteiramente voltada para o trabalho intelectual: labor imenso, grande ansiedade em relação ao sucesso de suas aulas. Com a idade de 29 anos ele se casa - um "belo casamento"(6) - com Louise Dreufus, mulher de boa família que lhe é inteiramente devotada e que lhe dá dois filhos, uma menina, Marie, e um menino, André.
Mauss é o oposto de seu tio: celibatário até os 62 anos, ou seja, a idade em que, segundo sua mãe, correse o risco de realizar um "casamento insensato", vida de boêmio, pouco entusiasmo pelo trabalho, perdulário. Tudo isso desespera o tio, que o recrimina por "perder tempo com bagatelas" e procura por todos os meios "sacudir essa bela despreocupação que se tornará rapidamente apatia ou indolência"(7). 0 efeito conjugado do "idealismo exigente de fazer bem feito" e da "necessidade de levar uma existência docemente embalada" conduz o sobrinho à "impotência". "0 mal não tem remédio", conclui Durkheim; "tratamos com um incurável. Para mitigar os efeitos do mal, não posso fazer mais do que faço - a saber, chamá-lo sem cessar a seu dever e fazer uma parte do seu trabalho"(8).
Mesma queixa por parte da mãe, que lhe escreve todas as semanas. Mme. Mauss é uma "mulher forte", de idéias firmes, dirá Durkheim; ela administra energicamente a empresa familiar - um ateliê de bordado a domicílio - e segue atentamente a carreira escolar e profissional do filho. Três grandes temas estão presentes na correspondência entre mãe e filho: o casamento, a tese (sobre a Prece) e o dinheiro. "Eu sofro", escreve ela, "ao ver esse pobre dinheiro fugir tão depressa quando é preciso tanto sacrifício para ganhá-lo"(9).
b) Em seguida, no plano da carreira profissional. Os itinerários profissionais do tio e do sobrinho são, como eu dizia, semelhantes: agrégation, temporada de estudos no estrangeiro, ensino. Mas é suficiente uma análise rápida para perceber as diferenças: Mauss obteve sua agrégation mas não foi aluno da Ecole Normal Supérieure; Mauss leciona, mas não defendeu a tese de doutorado e como agregénão trilha o caminho clássico (liceu, universidade). Mauss está em uma instituição um tanto marginal, menos prestigiosa que as faculdades universitárias: trata-se da Ecole Pratique des Hautes Etudes, uma escola de erudição que acentua a pesquisa e que para Mauss se torna rapidamente, segundo a expressão de sua mãe, uma ratoeira. (O que é um bom trocadilho quando se sabe que Maus quer dizer camundongo em alemão). Mauss logo procura escapar, apresentando em 1909 sua candidatura a uma cadeira de história das religiões no Collège de France. Derrotado por Alfred Loisy, o abade excomungado em razão de seus escritos heréticos e de sua insubmissão à Igreja, Mauss deve "ter paciência" durante quase trinta anos para entrar na "fortaleza".
À posição que Mauss ocupa no campo universitário, e que o coloca do lado da pesquisa e não do ensino, associa-se todo um conjunto de atributos (salários inferiores) e de disposições intelectuais: fórmula do seminário (pequeno grupo)/curso magistral (grande grupo); trabalhos de erudição/trabalhos "dogmáticos" ou de síntese. Essa oposição se encontra no seio mesmo da Année Sociologique: de um lado Hubert, Mauss e Simiand; de outro, Bouglé e Fauconnet. Se há uma coisa em Durkheim que enerva seu sobrinho é o tempo que este perde com suas aulas: a relação que Mauss mantém com seu trabalho intelectual traduz bem o ethos do pesquisador:
"Não estou interessado", confia ele a E. E. Eubank, "em desenvolver teorias sistemáticas (...) Trabalho simplesmente com os meus materiais e se, ali ou acolá, aparece uma generalização válida, eu a estabeleço e passo a qualquer outra coisa. Minha preocupação principal não é elaborar um grande esquema teórico geral que cubra todo o campo - tarefa impossível -, mas somente mostrar algumas das dimensões do campo do qual apenas tocamos as margens. Conhecemos alguma coisa - é tudo. Tendo trabalhado assim, minhas teorias são dispersas e não sistemáticas e não há em parte alguma alguém que possa procurar resumi-Ias (...) Há tantas coisas a fazer que me parecem mais importantes que repisar o que já foi visto! Depois de ter terminado completamente um trabalho eu o esqueço, coloco-o de lado e vou em direção a qualquer outra coisa"(10).
Que seus próprios trabalhos sejam "muito dispersos" e freqüentemente, como no caso das prestações totais (e do "Ensaio sobre a dádiva"), "fragmentários", o próprio Mauss reconhece; aliás, ele não acha muito importante publicá-los. Essa relativa indiferença coma publicação é também uma característica do sistema universitário francês, onde encontramos vários pesquisadores que publicam pouco ou nada. O que faz a força desse sistema é, pensa Mauss, ter universitários que "amam o trabalho científico e fazem pesquisa por ela mesma (...), que pensam e sabem."
c) Finalmente, no plano do compromisso político, Mauss é um erudito, mas que, na tradição de Lucien Herr, não se desinteressa do que se passa em torno dele: é também um militante. Desde seus estudos universitários, ele está diretamente envolvido na ação política, do lado dos dreyfusards e dos socialistas: é membro do Grupo dos Estudantes Coletivistas, do Partido Operário Francês e, em seguida, do Partido Operário Socialista Revolucionário; colabora nas revistas Le Devenir Social Le Mouvement Socialiste e participa com Lucien Herr, Charles Andler e outros camaradas da implantação da Société Nouvelle de Librairie de l'Edition e da formação de militantes no âmbito das universidades populares. Uma vez professor, Mauss prossegue suas atividades no seio do Partido Socialista e do movimento cooperativo e publica numerosos artigos no jornal L'Humanité, de cujo conselho de administração é membro.
Tudo isso para grande desespero de seu tio, que mesmo sendo amigo de Jaurès, se manteve longe da ação política partidária. A recriminação que faz a seu sobrinho é a seguinte: "(...) Você tem uma falta total de modéstia. Você não recua diante de nenhuma tarefa; você se crê adequado para todas, mesmo para aquelas para as quais é perfeitamente inadequado"(11). Mauss faz parte dessa geração de jovens intelectuais que se encontrarão no Grupo da Unidade Socialista e mais tarde no Grupo de Estudos Socialistas (1908): François Simiand, Robert Hertz, Maurice Halbwachs, etc. Esses jovens intelectuais entendem colocar a sociologia, aquela de Durkheim, a serviço do socialismo: seu objetivo é fornecer uma documentação mais precisa, encontrar soluções mais concretas e práticas para os problemas imediatos e elaborar uma doutrina melhor adaptada à realidade(12).
Entretanto, em Mauss, ciência e política não se confundem. O que não o impede de extrair trabalhos eruditos das leis gerais e algumas conclusões de ordem moral. Pensemos na conclusão a que ele chega no final de seu "Ensaio sobre as variações sazonais das sociedades esquimós" (1906): a vida social passa por fases sucessivas de intensidade e declínio, repouso e atividade, dispersão e concentração, vida individual e vida coletiva.
A seus alunos Marcel Mauss dá o conselho de "não fugir, apesar de todos os riscos, dos objetos de estudo a respeito dos quais os partidos se opõem e as paixões se inflamam"(13). "O público", precisa ele, "não permite que nos ocupemos exclusivamente do que é fácil, divertido, curioso, bizarro, passado sem perigo, porque se trata de sociedades mortas ou longínquas das nossas. Ele quer estudos concludentes quanto ao presente"(14).
Seja voltados para a história das religiões, para a etnologia dos povos ditos não-civilizados ou para a sociologia geral, os trabalhos de Mauss se inscrevem, mais ou menos explicitamente, nos grandes debates que dividem a sociedade francesa: a religião, a unidade nacional, o socialismo (e o bolchevismo), etc. Seus trabalhos contêm freqüentemente uma dimensão claramente "moral" ou política.
2. Do Sacrifício à Dádiva
O primeiro grande trabalho de Mauss é o "Ensaio sobre a natureza e a função do sacrifício", que ele publicou ein 1899 em colaboração com Henri Hubert, seu amigo e seu "gêmeo de trabalho". Baseada no estudo minucioso e bem documentado de duas religiões, o hinduísmo e o judaísmo, essa "brilhante análise" permite extrair o esquema geral - a gramática, dirá Evans-Pritchard - do ritual de sacrifício: um prelúdio, a entrada; um drama, a destruição da vítima; uma conclusão, a saída(15). Analisando assim "um caso claro do funcionamento da idéia de sagrado"(16), essa idéia básica que é "o fenômeno central entre os fenômenos religiosos", Hubert e Mauss demonstram que "as coisas sagradas são coisas sociais". "Em nossa opinião", reafirmarão, "é concebido como sagrado tudo o que, para o grupo e seus membros, qualifica a sociedade"(17).
Falar de sacrifício é também falar de dádiva: o sacrifício, por exemplo o sacrifício totêmico, é uma dádiva interessada que fazemos para ganhar os favores dos deuses ou desviar a sua cólera? A resposta de Hubert e Mauss é a seguinte:
"(...) Em todo sacrifício há um ato de abnegação, pois quem se sacrifica se priva e se dá. Essa abnegação lhe é mesmo freqüentemente imposta como um dever. (...) Mas essa abnegação e essa submissão não deixam de ter um lado egoísta.Se o que sacrifica dá algufna coisa de si, ele pião se dá; ele se reserva prudentemente. É que se ele dá, é em parte para receber. 0 sacrifício se apresenta, então, sob um duplo aspecto. E um ato útil e urna obrigação. 0 desinteresse se mescla ao interesse. Por isso ele foi freqüentemente concebido sob a forma de um contrato"(18).
E no fim da conclusão os autores acrescentam:
"De resto, pudemos ver, ao longo do estudo, quantas crenças e práticas sociais que não são propriamente religiosas se encontram em relação com o sacrifício. Tratamos sucessivamente da questão do contrato, da redenção, do castigo, da dádiva, da abnegação, das idéias relativas à alma e à imortalidade que são ainda a base da moral comum. Isso comprova a importância da noção de sacrifício para a sociologia" (19).
Castigo, dádiva, contrato, etc... Esses são os temas centrais da obra de Mauss. Do "Ensaio sobre o sacrifício" retivemos sobretudo sua dimensão polêmica. "A imaginação cristã edificou sobre plantas antigas", escrevem Hubert e Mauss. 0 simples fato de aproximar assim os rituais de sacrifício e a cerimônia do sacrifício cristão ou comunhão constitui um escândalo para as "boas almas mal informadas". Os autores querem, é verdade, "banir a teologia" da ciência das religiões.
Mas esquecemos uma outra dimensão, mais propriamente política. O "Ensaio" comporta uma conclusão que na origem deveria, como indica Mauss em uma carta a Durkheim, ser mais geral. E nessa "conclusão sociológica e moral (relação entre indivíduo e sociedade)", Mauss queria abordar um outro tema, o do "sacrifício pela pátria". Naquele fim de século, no contexto político da Terceira República, a questão do "sacrifício cívico" - e mais amplamente de uma moral laica - é central: o indivíduo deve se anular frente à nação ou à pátria? A questão é ainda mais importante quando pensamos que ela voltou a colocar-se, em outros termos, no momento do Caso Dreyfus: é preciso sacrificar um inocente para salvar a nação ou o exército? Hubert e Mauss não dão uma resposta explícita a essas questões, limitando-se a defender um equilíbrio entre o individualismo e o altruísmo: deve-se dar de si (give of himself) sem se dar (give up himself). Nós somos, poderíamos acrescentar, cidadãos e não santos !(20)
O tema do sacrifício, e também da dádiva de si, é ademais onipresente na vida do jovem Mauss. Durkheim, antes de todos, está lá para lembrar a ele seus deveres: em relação à sua mãe e sua família, em relação à Année Sociologique, etc. Os longos anos de estudo são em si mesmos, como sublinha um de seus professores, Silvain Lévi, "anos de sacrifício". Enfim, seu engajamento político fez-se, desde o início, sob o signo do altruísmo: suas convicções políticas se traduzem em "deveres socialistas". "Todas as minhas economias vão passar para o Partido", confia ele a Henri Hubert em 1898. 0 socialismo para Mauss é antes de mais nada um "espírito" (socialista), quer dizer, uma "nova maneira de se conduzirem relação aos fatos", um "novo sistema de valores", um "novo sistema moral de castigos e recompensas". Eln seu primeiro texto político, publicado em 1899, no Mouvement Socialiste, Mauss escreve: "A ação socialista é essencialmente uma ação consciente voltada para o interesse da coletividade"(21). Os dois campos de ação que Mauss privilegia são o sindicalismo e a cooperação: ações que não somente "melhoram a sorte do indivíduo" como também "solicitam de cada um a subordinação e o sacrifício e o fazem sentir a coletividade". Para o movimento socialista e cooperativo, Mauss não hesita em dar seu tempo e seu dinheiro: por exemplo, criação, em 1900, da Cooperativa Socialista La Boulangerie, para a qual fornece no ano seguinte uma caução de 20 mil francos (soma que nunca irá rever).
Sociologia e política, A Dádiva
Dentre todos os escritos de Mauss, o "Ensaio sobre a dádiva" é sem dúvida o mais conhecido, o mais "famoso": é a sua "obra central", afirma Maurice Leenhardt em 1950 e, por que não, sua "obra prima", como declara Stephen Lukes vinte anos mais tarde. O "Ensaio" foi publicado em 1925, no primeiro tomo da segunda série da Année Sociologique que Mauss conseguiu "relançar" com a colaboração de uma equipe de "trabalhadores desinteressados" composta por Célestin Bouglé, Henri Hubert, Paul Fauconnet e François Simiand.
No mesmo tomo Mauss publica um longo texto "In memoriam. Obra inédita de Durkheim e seus colaboradores": "Estamos reduzidos a uns poucos, escreve Mauss. (...) Tratemos de fazer alguma coisa que honre a Inetnória de todos eles, algo que não seja muito indigno do que inaugurou nosso Mestre"(22). Mauss retoma então a "tocha". Com a idade de 53 anos, é então diretor da cadeira de "Religiões dos povos não civilizados" na Ecole Pratique des Hautes Etudes; participa também com seus amigos Lucien Lévi-Bruhl e Paul Rivet da implantação do novo Instituto de Etnologia de Paris, que abrirá suas portas no início de 1926.
O "Ensaio sobre a dádiva" é tão importante e central na obra de Mauss que constitui 1) um ponto de encontro entre suas preocupações científicas e políticas e 2) um prolongamento-renovação da teoria durkheimiana da coesão social, da relação indivíduo-sociedade. A publicação desse ensaio aconteceu, é preciso lembrar, no contexto dos anos do pós-Primeira Guerra - questões de ordem e de paz, etc. - e em um momento em que Mauss prossegue a redação de seu ensaio sobre A Nação.
Em primeiro lugar, o contexto intelectual. No imediato pós-guerra, uma tragédia vitima Durkheim, seu filho André e vários colaboradores da Année Sociologique (Robert Hertz, Antoine Bianconi, Jean Reynier, R. Gelly). Mauss vê cair sobre si o peso enorme da publicação de uma obra considerável e inédita. O herdeiro tem "o dever para com a memória de Durkheim" de prosseguir sua obra. Mesma obrigação em relação a Hubert, que morre em 1927.
O "Ensaio sobre a dádiva" faz parte de uma série de pesquisas que Mauss encetou pouco antes da guerra sobre as formas arcaicas de contrato e, em particular, sobre o podatch. Há uma referência ao ensaio na resenha escrita por Mauss para o Année Sociologique (1913) sobre o livro The Melanesians of British New Guinea, de autoria de seu amigo inglês C. G. Seligman. No imediato pós-guerra, Mauss consagra a esse tema várias palestras para os membros do Instituto de Antropologia: "A extensão do potlatch na Melanésia", "A obrigação de dar presentes". O texto que ele apresenta no Les Mélangesdedicado a Charles Andler tem por título "Gift-gift": em diversas línguas germânicas, o presente é também um veneno. Diante disso, nada de surpreendente no fato de que todo presente provoque naquele que recebe ao mesmo tempo agrado e desagrado. Enfim, nos cursos que ministra na Ecole Pratique em 1923-24, Mauss discute os trabalhos de Malinowski e, estudando a instituição do potlatch, apresenta os primeiros resultados de sua pesquisa sobre as noções de dádiva, de compensação e de penhor. Um outro interesse de Mauss - e que era partilhado por Robert Hertz - é o estudo dos fatos de sugestão coletiva, do que alguns chamam então "desrazão coletiva", por exemplo a crença na eficácia das palavras, como podemos ver na sua palestra para os membros da Sociedade de Psicologia em 1926 sobre o "Efeito físico no indivíduo da idéia de morte sugerida pela coletividade".
O "Ensaio sobre a dádiva" se inscreve, portanto, em um verdadeiro programa de pesquisa ao qual estão associados alunos e colaboradores: Marius Barbeau, Maurice Cohen, Georges Davy, Robert Hertz, Paul Huvelin, Henri Lévi-Bruhl, René Maunier, etc. O incidente da tese de doutorado de Georges Davy, La foi jurée, atesta a importância do trunfo que representa o estudo do potlatch. Membro da banca, Mauss se desculpa no último momento: sofreu uma queimadura no pé. Mas, como confia a Hubert, não está contrariado por "se eximir da tese", pois tem objeções graves, que prefere manifestar em privado: análise superficial, confusões freqüentes, informação insuficiente. A disputa se agrava quando Marcel Granet, que substituiu Mauss na banca, publica no Journal de Psychologie Normale et Pathologique uma crítica severa da tese de Davy. Uma das recriminações feitas a Davy é não ter reconhecido o que devia à sociologia e a Mauss em particular.
De sua parte, Mauss não pensa recriminar seu antigo aluno por ter "queimado seu campo" utilizando sua documentação sobre o potlatch; ao contrário, aceita publicar a tese de Davy na coleção dos Trabalhos da Année Sociologique e logo que publica o "Ensaio sobre a dádiva", sublinha a contribuição de Davy. É verdade que Mauss deve então procurar "acalmar os espíritos" se quiser manter a unidade no seio do grupo de colaboradores da nova série da Afuiée Sociologique. Mas é também um traço de seu caráter: ele não entra nas lutas pela prioridade. De seu ponto de vista, o trabalho científico é sempre um trabalho de equipe.
O contexto político. Durante a guerra, Mauss se alistou como voluntário e foi designado intérprete junto às unidades combatentes inglesas e australianas. Ali permanece, "sacrifica-se", podemos dizer, durante mais de três anos. Com o fim da guerra, é o difícil retorno às atividades profissionais - grave doença em 1920-21; é também a retomada das atividades políticas em um contexto difícil (dissidência de Tours e criação do PCF, numerosas divisões internas). O engajamento político de Mauss é mais intenso que nunca: publicação de artigos sobre o movimento cooperativo e criação da Revue des Etudes Coopératives, membro do conselho de administração do Populaire, dirigido por Léon Blum, onde publica uma longa série de artigos sobre as "Mudanças", colaboração no hebdomadário La Vie Socialiste, redação de suas "Observações sobre a violência", etc...
Mauss, o "velho militante", tenta realizar a junção entre preocupações intelectuais e seus compromissos políticos, como vemos em seus dois projetos de obra: a primeira sobre o bolchevismo e a segunda sobre a nação. São trabalhos onde "se mesclam e exaltam o ardor do erudito e o do homem político"(23).
O "Ensaio sobre a dádiva" é manifestamente a obra de um sábio: sólida erudição em etnologia, domínio de várias línguas, estudo comparativo minucioso. Mas, como veremos, o "ardor do homem político" não está totalmente ausente.
O que diz Mauss nesse Ensaio? Ele analisa a dádiva, a reciprocidade e a troca nas "sociedades arcaicas", principalmente na Melanésia e no noroeste americano; estabelece também uma comparação com "alguns traços dos direitos indo-europeus" (direito romano, hindu clássico e germânico). Sua atenção se volta para um conjunto de prestações aparentemente livres e gratuitas, mas que são, como ele demonstra, obrigatórias e interessadas: os presentes.
Procurando encontrar uma explicação, Mauss se refere à noção de hau, do espírito da coisa. Ele também utilizou em seus trabalhos sobre a magia uma outra noção indígena, a de mana. Haveria uma força das coisas que obriga a dar presentes, pois "apresentar alguma coisa a alguém é apresentar alguma coisa de si".
O "Ensaio" de Mauss é bem recebido no momento de sua publicação: uma "dissertação muito importante", um "artigo admirável" (Malinowski), um "estudo muito interessante" (Boas). Mas desde 1929, em Primitive Economics of the New Zealand Maori, R. Firth contesta a utilização de Mauss da noção de hau. É o início de uma longa controvérsia... Mauss ter-se-ia deixado enganar pelos indígenas? Não exatamente, concluirá um Lévi-Strauss pouco satisfeito com tal explicação: é perigoso, pensa ele, "reduzir a realidade social à concepção que o homem, mesmo selvagem, tem dela"(24).
Lembremos que esse estudo permite a Mauss ao mesmo tempo tocar o "concreto", pôr em evidência o mecanismo central de solidariedade que é a reciprocidade, criticar o utilitarismo das teorias econômicas e extrair um princípio heurístico que consiste em estudar os fatos como "fatos sociais totais". É para ele uma maneira de "tocar uma das rochas humanas sobre as quais se assentam nossas sociedades". O "mérito" de Mauss é, como sublinha Renê Maunier na resenha que fará do "Ensaio sobre a dádiva" para a Année Sociologique, demonstrar duas coisas: 1) "a vida dos ‘primitivos’ é mais complexa, mais ativa, mais dinâmica que acreditamos: é preciso não representá-la como ‘estática’; 2) "a vida econômica está profundamente ligada à moralidade e à religiosidade. Tudo está em tudo"(25).
Sobre a noção de totalidade, muitas coisas foram  ditas. Mauss fala ora de "homem total", ora de "fato social total". No primeiro caso trata-se da natureza indissociavelmelite psico-orgânica e social do homem. Aqui Mauss é fiel à tese durkheimiana do homo duplex. No segundo caso, trata-se do caráter indissociavelmente jurídico, econômico, estético, morfológico, etc. de todo fenômeno social.
Mas aos numerosos "méritos" de Mauss eu acrescentaria umoutro: ao contrário do que deixa entender uma leitura simplista de Durkheim, a sociedade não é uma massa homogênea: toda coletividade é uma realidade mais complexa com, precisa Mauss, "grupos e subgrupos que se imbricam, se entrecruzam e se soldam". A coesão social-um tema caro a Durkheim e a Mauss-não repousa somente sobre uma comunidade (de língua, de valores, de tradições); ela exige também a reciprocidade e todo um conjunto de laços contratuais.
Na conclusão de seu Ensaio, que é uma conclusão moral e política, Mauss estende suas observações a nossas próprias sociedades: os convites devem ser formulados; é preciso ser "senhorial" por ocasião das festas, dos casamentos, das comunhões; as coisas vendidas têm, como vemos na região dos Vosges, uma "alma". Em resumo, nem tudo é relação mercantil, nem tudo é cálculo utilitário: "uma parte considerável de nossa moral e de nossa própria vida detém-se sempre nessa mesma atmosfera da dádiva, da obrigação e da liberdade mescladas"; existe sempre a "despesa pura e irracional".
Para Mauss, a importância de sua descoberta é tal que não é suficiente constatar o fato, é preciso também tirar conclusões morais. Voltemos ao "arcaico", reinventemos costumes de "despesas nobres", reencontremos a "felicidade de dar em público; o prazer do gasto artístico generoso, aquele da hospitalidade e da festa privada e pública". Rejeitando igualmente o "egoísmo de nossos comtemporâneos e o individualismo de nossas leis" e o "excesso de generosidade e o comunismo", Mauss defende uma "nova moral" baseada no respeito mútuo e na generosidade recíproca e que assegure a redistribuição da riqueza acumulada: está aí, pensa ele, a condição da felicidade dos indivíduos e dos povos. O respeito aos princípios de honra, desinteresse e solidariedade é, como preconizado por Durkheim, possível e desejável no nível dos grupos profissionais. E também possível conceber o que seria uma sociedade onde reinassem tais princípios: adoção de legislação de seguro social (contra o desemprego, a doença, a velhice), criação de caixas de assistência social pelas empresas, estabelecimento de medidas para limitar os frutos da especulação e da usura, desenvolvimento da solidariedade corporativa (26). Aqui etnografia e política se encontram.
3. Algumas conclusões (de moral e de política, à maneira de Mauss)
Por ocasião do lançamento do "Ensaio sobre a dádiva", Mauss prepara para a PUF uma obra sobre o bolchevismo, obra que ficará inacabada. Acaba de publicar no Le Populaire suas "Observações sobre a violência", cujo subtítulo é "Fascismo e bolchevismo".
Socialista sem doutrina, defensor da tese das "maiorias ativas", amigo fiel de Jaurès e Renaudel, Mauss, ao contrário de seu amigo de longa data Marcel Cachin, negou-se a aderir à Terceira Internacional; é muito crítico em relação à revolução bolchevique: como "sociólogos ingênuos", os bolcheviques acreditaram poder construir uma sociedade "a golpes de decreto, a golpes de violência". É um erro, pensa Mauss: "A violência é estéril em nossas sociedades modernas"(27). Mauss entende assim "julgar" a experiência bolchevique e fazêlo de um ponto de vista sociológico. Daí decorre o título de seu artigo publicado em 1924 na Revue de Métaphysique et de Morale: "Apreciação sociológica do bolchevismo". No ano seguinte, é publicado na Revue Slave um outro artigo, "Socialismo e bolchevismo".
A "Apreciação sociológica do socialismo" inclui importantes "conclusões práticas": quem quer "refoil-nar" uma sociedade deve: 1) respeitar a "a troca como natureza do homem" e preservar o mercado e a liberdade comercial e industrial que o acompanha; 2) deve também manterum equilíbrio entre coletivismo e vida associativa, desenvolvendo todas as instituições coletivas possíveis de tipo intermediário, como grupos profissionais e cooperativas: 3) deve enfim evitar se iludir e acreditar que podemos "suprimir todas as formas de propriedade para substituí-las por uma só", pois não há sociedades exclusivamente capitalistas ou puramente socialistas. Os "possíveis" situam-se nas economias mistas, com capitalismo, socialismo, coletividades livres e individualismo. Como bom durkheimiano, Mauss adverte que a liberdade e o controle coletivo não são contraditórios.
Correndo o risco de "passar por antigo e repetidor de lugares comuns", Mauss volta aos antigos conceitos gregos e latinos de "caridade", "amizade" e "comunidade": nisso está, conclui ele, "a essência da Cidade"(28). A moral que ele propõe é uma moral de "doçura e legalismo". Ademais, está consciente de que prega muito generosamente a "doçura, a paz, a previdência". Mauss deseja que a Política se torne "positiva", que ela seja uma "arte racional": "O primeiro momento de uma política positiva é: saber e dizer às sociedades em geral e a cada uma etn particular o que elas fazem, para onde elas vão. E o segundo momento da moral e da política propriamente ditas consiste ein lhes dizer francamente se elas fazem bem, praticamente e idealmente, em continuar a ir em tal ou qual direção"(29). Não se trata, evidentemente, de apresentar a sociologia como panacéia e como "meio de tornar os homens mais felizes", mas ela pode fornecer uma "consciência precisa dos fatos" e constituir um "meio de educação da sociedade".
Em 1939, novamente a guerra. Com o nazismo e o anti-semitismo. O sociólogo vê a confirmação, pelo pior, de certas teses durkheimianas: o "retorno ao primitivo" e a valorização excessiva do coletivo constituem de fato graves perigos. Mauss não deixa Paris: precisa cuidar de sua mulher doente. É demitido de suas funções, seu apartamento é requisitado. Mauss usa com orgulho a estrela amarela e sai em defesa dos colegas do Museu do Homem que são presos. E, no fim da guerra, é a diminuição das faculdades intelectuais, a perda da memória. A guerra e seus horrores vêm, como sublinha Henri Lévi-Bruhl, "suprimir uma das mais belas inteligências deste tempo"(30).
O que resta de uma vida marcada pelo espírito de sacrifício (generosidade, devotamento para com seus alunos, para com os amigos, engajamento social)? "Poucos livros, artigos dispersos", responde sucintamente seu sucessor na Ecole Pratique, Maurice Leenhardt, que acrescenta imediatamente: "E um brilho imenso".
Terminando, pennitam-me "tirar algumas lições":
1) Mercado, dernocracia e socialismo. Mauss foi um observador muito perspicaz. Sagaz mesmo. Evidentelnente, suas análises valem hoje para os países da Europa do leste mas também para outros países, em particular para aqueles que conheceram ou conhecem o totalitarismo e a ditadura. A vida social exige, evidentemente, obrigações e disciplina, mas ela repousa tarnbém sobre a troca, a reciprocidade e as relações contratuais. Isso vale também para as relações entre as sociedades, entre as nações.
2) Individualismo e coletivismo. Será que cada um de nós é obrigado a se dar, a se sacrificar pelos outros,(a pátria, os deserdados, uma causa política, etc.)? E preciso, responderia Mauss, dar qualquer coisa sem (muito) dar de si. O indivíduo tem necessidade da coletividade para se afirmar enquanto tal, mas não deve se perder no Todo coletivo. Dessa forma, não necessariamente uma terceira via entre o liberalismo e o comunismo, mas um justo equilíbrio, uma mistura de um pouco de tudo: do capitalismo, do estatismo, das cooperativas, etc. Alguns ideais coletivos e um pragmatismo saudável, portanto.
3) Ciência e política. Como conclusão de seu ensaio É preciso queimar Dumézil? (1992), Didier Eribon formula a questão: "É assim tão evidente que é preciso sempre procurar política nos livros de ciência?" E em se tratando de Dumézil, responde: "Não é a política que é constitutiva de sua obra"(31). Não é assim tão simples, sobretudo durante os anos entre as duas guerras. A obra de Marcel Mauss é atravessada por questões, temas políticos; seus projetos de livros sobre nação e bolchevismo são "chamados" por problemas específicos. Mas ele jamais subordina a sociologia à política, a idéias políticas. Em Mauss, o cientista e o militante coabitam sem que um negue o outro: o mais "político" dos acadêmicos dedica tempo e energia à conquista para o campo científico e universitário de sua autonomia (atividade em três revistas científicas, criação do Instituto de Etnologia, organização do auxílio à pesquisa através da Fundação Rockefeller, etc.). "Longe de existir, como acreditamos comumente, uma antinomia entre a procura da autonomia (...) e a procura de eficácia política", escreve Bourdieu em As regras da arte, "é aumentando sua autonomia (e, com isso, entre outras coisas, sua liberdade de crítica em relação aos poderes), que os intelectuais podem aumentar a eficácia de urna ação política cujos fins e meios encontram seu princípio na lógica específica dos campos de produção cultural."(32). A esse respeito, a vida de Mauss - vida política, intelectual e administrativa - é um exemplo. E, ao morrer, a Escola Sociológica Francesa dá origem à antropologia francesa moderna.
Conferência proferida na 16a  reunião nacional da ANPOCS. Caxambu, outubro de 1992.
Tradução de Cíntia Ávila de Carvalho
Notas
1. Fundo Hubert Mauss, Arquivos do Collège de France.
* Exame realizado pelo governo francês e que habilita os aprovados a assumirem os mais altos postos de ensino nos liceus ou a lecionar em determinadas faculdades. (N.T.)
2. DURKHEIM, Emile. (1973), Le Suicide (1897). Paris, Presses Universitaires de France, p.169.
3. LACROIX, Bernard. (1981), Durkheim et la politique. Paris, Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques.
4. DURKHEIM, Emile. (1975), "Lettre au directeur de la Revue Néoscolastique" (1907), in E. Durkheim, Textes, Paris, Editions de Minuit, vol. 1, p. 404.
5. BOURGIN, Hubert. (1938), De Jaurès à Léon Blum, L'École normale et la politique, Paris, Librairie A. Fayard.
6. CHARLES, Christophe. (1984), "Le beau mariage d'Emile Durkhcicn", Actes de la recherche eti scietices sociales, n° 55, novembro de 1984, pp. 44-49.
7. Carta de E. Durkheim a M. Mauss, sal. (1988). 8. Carta de E. Durkheim a H. Hubert, sal. (1901). 9. Carta de Rosine Durkheim-Mauss a M. Mauss, 6 de abril de 1898.
8. Carta de E. Durkheim a H. Hubert, s.d. (1901)
9. Carta de Rosine Durkheim-Mauss a M. Mauss, 6 de abril de 1898.
10. Conversa de M. Mauss com E.E. cubank, 1934.
11. Carta de E. Durkheim a M. Mauss, sal. (1906).
12. PROCHASSON, Christophe. (1989), Place et rôle das intellectuels dais le mouvement socialista français, 1900-1920. Tese de doutorado, Universidade de Paris 1 - Panthéon - Sorbonne, US.R. História, p. 155.
13. ARON, Raymond. (1971), Dela condition historique du sociologue, Paris, Gallimard, p. 8.
14. MAUSS, Marcel. (1969), "Divisions et proportions das divisions de la soeiologie" (1927), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 3, Paris, Editions de Minuit, p. 340.
15. MAUSS, Marcel. (1968), La Prière, 1, Les origines (1909), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 1, Paris, Editions de Minuit, p. 154.
16. MAUSS, Marcel. (1979), "L'oeuvre de Mauss parlui-même" (1930), in Reme française de sociologia, janeiro-março 1979, XX-1, p. 217.
17. HUBERT, H. e MAUSS, M. (1968), "Introduction à l'analyse de quelques phènomènes religieux" (1908), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 1, Paris, Editions de Minuit, p. 16.
18. HUBERT, H. e MAUS S, M. (1968), "Essai sur la nature et la fonction du sacrifice" (1899), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 1, Paris, Editions de Minuit, p. 304.
19. Ibid., p. 307.
20. A esse respeito ver os trabalhos de Ivan Strenski, "Between opportunism and altruism: liberal protestants, free thinkers and sacrifice", Santa Barbara, UCSB, 1991, 45 pp.
21. MAUSS, Marcel. "L'aetion socialiste", Le rnouvement socialiste, 15 de outubro de 1899, p. 460.
22. MAUSS, Marcel. (1969), "In memoriam. l'oeuvre inédite de Durkheim et de ses collaborateurs" (1925), in M. Mauss, Oeuvres, vol 3, Paris, Editions de Minuit, p. 499.
23. MAUSS, Marcel. (1924), "Appréciation sociologique du bolchevistne", in Revue de metaphysique et de morale, 31, p. 121.
24. LEVI-STRAUSS, Claude. (1966), "Introduction à l’oeuvre de Marcel Mauss" (1950), in M. Mauss, Sociologie et anthropologie, Paris, Presses Universitaires de France, Paris, p. XLIV.
25. MAUNIER, R. Resenha do L'année sociologique, in Revue philosophique, CIV, julho-dezembro 1927, pp. 305-306.
26. MAUSS, Marcel. "Essai sur le don. Forme et raison de 1'Echange dans les sociétés archaïques" (1925), in M. Mauss, Sociologie et anthropologie, op. cit., pp. 143-279.
27. MAUSS, Marcel, "Contre la violence. Pour la force", La vie socialiste, 5 de março de 1923, p. 2.
28. MAUSS, Marcel. "Appréciation sociologique du bolchevisme", op.cit., p. 116.
29. MAUSS, Marcel. "Divisions et proportions des divisions de la sociologie", op. cit., p. 243.
30. LEVY-BRUHL, Henri. (1950), "In memoriam. Marcel Mauss", L'année sociologique, 3a. série (1948-1949), Paris, 1950, p. 4.
31. ERIBON, Didier. (1992), Faut-il brûler Dumézil?, Paris, Plammarion, p. 300.
32. BOURDIEU, Pierre. (1992), Les règles de l'art, Paris, Editions du Seuil, p. 462.

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