terça-feira, 30 de novembro de 2010

A violência da desigualdade social e a desigualdade da violência social

Por Gustavo Barreto em 30/11/2010

Elaborei dois textos sucintos sobre a questão da violência exposta no Rio de Janeiro recentemente, a partir da minha visão como carioca e frequentador de diversas favelas com problemas sociais. As minhas análises estão aqui e aqui e não há porquê voltar a elas.
O que me espanta é o número de avaliações que recebe o texto – 114 comentários apenas no local original de publicação e outras centenas em sites onde houve publicação –, especialmente avaliações violentas, seguidas de xingamentos e até mesmo investigação sobre minha vida (meu nome completo, onde moro etc). Fiquem à vontade para “investigar”, mas vamos às ideias:
1) Creio, de fato, que fazer uma análise como a que fiz pede certa proximidade com comunidades que sofrem com a violência cotidiana. De fato, a tenho – por obrigação ou por interesse. Enquanto repórter de meios populares e democráticos, busco esta realidade e por vezes me deparo com ela ao ir para a casa de parentes ou amigos.
2) Opor “intelectuais” e “favelas”, como fizeram em pelo menos duas dezenas de comentários, apenas confirma o que escrevi: há uma virulenta violência de classe tanto nas ações quanto nas ideias que a seguem. Por que opor, afinal, entre moradores de comunidades não pode haver intelectualidade? Ou seja, pessoas que olham (um pouco) além do próprio umbigo e passam a interpretar a realidade em toda a sua complexidade? Seria o povo destituído de senso crítico?
3) A ideia de que as pessoas estavam sendo “oprimidas” pelo tráfico de drogas e que agora foram “libertadas” pode ser questionada, como também pode ser afirmada. O debate serve para isso. Na Revista Consciência.Net, por exemplo, até mesmo comentários anônimos com insultos levianos e sem qualquer contra-argumentação foram aprovados. Mas:
4) Eu me dou o direito de questioná-la, em nome da liberdade de expressão.
Entendo bem a opressão do tráfico, pois sou morador do Rio de Janeiro desde que nasci (há 28 anos), nascido e criado na Zona Norte, ex-morador de Vila Isabel e circulo muito como professor de comunicação e como repórter por diversas favelas. No entanto, os textos anteriores tratam especificamente desse assunto, a partir de uma outra visão mais ampla sobre como o problema pode ser resolvido sem necessariamente utilizarmos a violência estatal como norma. Achar que uma ação está acontecendo só porque é possível vê-la é ignorar meus argumentos sobre a ineficiência de ações similares no passado. Como jornalista, o que faço é ouvir argumentos e colocá-los lado a lado com os dados. Contudo, o fato de não ter tratado a fundo da opressão policial em si não diminui, na minha humilde opinião, os aspectos do qual tratei e que fazem parte do mesmo problema.
5) Em outro ponto, façamos a seguinte reflexão: de que modo a simples ofensa pessoal, sem qualquer contra-argumentação, ajuda em um debate para considerar soluções?
A violência da desigualdade social acaba por gerar a desigualdade da violência social: incursões militares violentas em zonas pobres do Rio de Janeiro e, do outro lado da cidade, mandado judicial para as zonas ricas. Foto: CartaCapital.
A violência da desigualdade social acaba por gerar a desigualdade da violência social: incursões militares violentas em zonas pobres do Rio de Janeiro e, do outro lado da cidade, mandado judicial para as zonas ricas. Foto: CartaCapital.
6) As primeiras denúncias publicadas na imprensa confirmam o que anunciei no primeiro artigo: “Setores mais violentos da Polícia Militar – a banda podre que não quer saber de papo de UPP – ganham carta branca, por conta do clima de medo, para fazer suas velhas e conhecidas “incursões” nas favelas, a política burra do confronto com o “crime organizado”, vitimando cidadãos inocentes e realizando execuções sumárias de suspeitos.” (25/11/2010)
Conforme relatos de mídia, perfil das vítimas das chamadas “balas perdidas” não é de supostos traficantes: são idosos, estudantes uniformizados, mulheres etc. Além disso, o jornal Correio Braziliensepublicou alguns vídeos com relatos e o número de denúncias fez até mesmo o Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, se pronunciar, afirmando que pedirá investigação dos casos de abusos. Relatos de moradores, que obtenho como jornalista a partir de emails de fontes, vão no mesmo caminho. (Assista aos vídeos aquiaqui eaqui).
Segundo argumenta o deputado Marcelo Freixo – que, conforme tenho relatado, é um dos poucos que busca unir a dimensão da segurança pública com a dimensão dos direitos fundamentais –, “esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.”
Ele completa: “Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.” (disponível aqui)
Além disso, outros relatos de mídia já dão conta de que as milícias estão reagindo violentamente à mudança de base de alguns traficantes – como, aliás, já ocorrera há dois meses no Complexo de Água Santa, dominado por milicianos. E alguns ainda sugeriram para mim que “são coisas diferentes”. De fato: enquanto os negócios dos varejistas do tráfico só tem um produto a oferecer (drogas), os milicianos possuem toda uma cartela de opções (transporte público, gás, “segurança” etc).
7) Não há, nesta narrativa midiática, a correta dimensão do problema, que todos os conhecedores do tema não cansam de repetir: Onde estão os verdadeiros chefes do narcotráfico? São juízes, gestores públicos (alguns dentro da Secretaria de Segurança), deputados, empresários. Basta consultar os valores envolvidos ou as recentes intervenções da Polícia Federal. Não cabe aqui repetir este fato, de amplo conhecimento dos legalmente responsáveis pelo combate ao crime (entre eles o Senhor Beltrame).
8) Desta forma, pergunto novamente: Por que a crise nas zonas pobres da cidade se traduzem em uma incursão violenta e em outras regiões é executada dentro dos moldes da lei? Até mesmo a busca na casa da esposa do traficante Polegar, num condomínio luxuoso na Barra da Tijuca, demandou um mandado judicial. Enquanto isso, no outro canto da cidade, 2.700 policiais invadiam dezenas de residências da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, em alguns casos quebrando eletrodomésticos, extorquindo moradores e roubando dinheiro e outros objetos de valor. Por que?
Uma curiosidade: Na França, durante a passagem de ano de 2008 para 2009, mais de mil carros foram queimados em diversas periferias de grandes cidades. E nem por isso a polícia adota a política de confronto. A diferença é que, por aqui, a queima de carros serviu como um excelente pretexto para a incursão militar que o Governo parecia desejar. Com o notável apoio da mídia e da população assustada.
Aqui, conforme sugeri no título, fica claro que a violência da desigualdade social acaba por gerar a desigualdade da violência social: incursões militares violentas em zonas pobres da cidade e, do outro lado, mandado judicial para as zonas ricas. É um clássico da criminalização da pobreza. O que é mais surpreendente é que os primeiros comentários argumentavam que os moradores viviam próximos a traficantes por opção, e não por necessidade. Não consigo nem sequer analisar este tipo de argumento, pois precisaria da ajuda de psicanalistas.
9) “Utopia” – afirmam alguns sobre a necessidade de utilizar a inteligência para resolver as questões de segurança nas favelas mais violentas. Utopia, respondemos com base em experiências anteriores, é achar que episódios espetaculares vão resolver o problema estrutural da violência no Rio ou sequer vão mudar as regras do jogo. As coisas continuam como estão, pois não se resolvem problemas de nenhum sistema econômico complexo a partir da mudança do mercado varejista, onde se comercializam serviços ou vendem produtos em pequenas quantidades. A produção continua escoando e achando seus caminhos.
São questões, por exemplo, em aberto:
(I) Se havia de fato 650 traficantes, onde estão? Qual o real poder destes fugitivos?
(II) Após a “conquista de território” da Vila Cruzeiro pelo BOPE (2008) ou da chacina no Complexo do Alemão (2007), por que o território foi perdido?
(III) Onde estão os corpos das pessoas mortas nos confrontos? Quem são?
10) Reitero a excelente definição do nosso enorme problema, a partir de uma exposição de Marcelo Freixo: “Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário…”
Oferecer dignidade e a “libertação” destes moradores – discurso idêntico ao que foi feito no Iraque após a invasão dos EUA em 2003 – passa, de fato, por vontade política e mobilização da sociedade. Mas a vontade tem de ser (também) por creches, hospitais, escolas públicas, infraestrutura e participação popular nos processos decisórios. E não por sede de sangue e retaliações, como muitos desejam.

Unicef lança campanha para combate ao racismo contra crianças

Publicado em novembro 30, 2010 by HC
Trinta e um milhões de crianças negras e 150 mil indígenas que vivem hoje no Brasil são o alvo da campanha. Para a representante do Unicef Helena Silva, alerta é para toda a sociedade
Trinta e um milhões de crianças negras e 150 mil indígenas que vivem hoje no Brasil são o alvo de uma campanha lançada ontem (29) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O objetivo é combater a discriminação racial contra a população dessa faixa etária.
Os números mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que as crianças negras e indígenas são mais vulneráveis em diversos aspectos. Mais de 60% da população de 7 a 14 anos que não frequenta a escola são negros. O índice de mortalidade infantil entre os indígenas é duas vezes maior do que a taxa nacional: 41 mortes para cada mil nascidos vivos contra 19/1000 no total da população.
Para a especialista de Programas de Proteção à Infância do Unicef no Brasil, Helena Oliveira Silva, os números mostram que a raiz do problema da desigualdade está além da questão socioeconômica. “Apesar do avanço das políticas públicas brasileiras, alguns grupos de famílias e crianças continuam em situação de vulnerabilidade. Grupos que historicamente vinham sendo ausentes na políticas, permanecem na mesma condição”, destaca.
Helena aponta que o preconceito ocupa uma dimensão “muito subjetiva” no dia a dia da criança, seja na escola ou em outros ambientes. Pela vulnerabilidade da própria idade, o preconceito causa impacto nesse público com mais força. “A criança vítima de preconceito, que é estereotipada, tem o desenvolvimento da sua identidade afetado. Isso marca a infância dela”, afirma.
Apesar de tratar da população negra e indígena, Helena lembra que o alerta da campanha é para toda a sociedade. “Nossa responsabilidade como adulto é trabalhar para que a situação não se perpetue. Diante de uma situação de discriminação no cotidiano, muitos não sabem como explicar de forma adequada a questão da diversidade para uma criança, seja ela branca, negra ou indígena”, explica a representante do Unicef.
Para chamar a atenção sobre o problema, além de peças publicitárias o fundo vai lançar um blog e uma cartilha com orientações para a população. O material mostra dez maneiras de contribuir para uma infância sem racismo.
Veja dez dicas listadas pelo fundo para lidar com a questão:
1. Eduque as crianças para o respeito à diferença. Ela está nos tipos de brinquedos, nas línguas faladas, nos vários costumes entre os amigos e pessoas de diferentes culturas, raças e etnias. As diferenças enriquecem nosso conhecimento.
2. Palavras, olhares, piadas e algumas expressões podem ser desrespeitosas com outras pessoas, culturas e tradições. Indigne-se e esteja alerta se isso acontecer!
3. Não classifique o outro pela cor de pele; o essencial você ainda não viu. Lembre-se: racismo é crime.
4. Se seu filho ou filha foi discriminado, abrace-o, apóie-o. Mostre-lhe que a diferença entre as pessoas é legal e que cada um pode usufruir de seus direitos igualmente. Toda criança tem o direito a crescer sem ser discriminado.
5. Não deixe de denunciar. Em todos os casos de discriminação, você deve buscar defesa junto ao conselho tutelar, às ouvidorias dos serviços públicos, da OAB e nas delegacias de proteção à infância e adolescência. A discriminação é uma violação de direitos.
6. Proporcione e estimule a convivência de crianças de diferentes raças e etnias nas brincadeiras, nas salas de aula, em casa ou em qualquer outro lugar.
7. Valorize e incentive o comportamento respeitoso e sem preconceito em relação à diversidade étnico-racial.
8. Muitas empresas estão revendo sua política de seleção e de pessoal com base na multiculturalidade e na igualdade racial. Procure saber se o local onde você trabalha participa também dessa agenda. Se não, fale disso com seus colegas e supervisores.
9. Órgãos públicos de saúde e de assistência social estão trabalhando com rotinas de atendimento sem discriminação para famílias indígenas e negras. Você pode cobrar essa postura dos serviços de saúde e sociais da sua cidade. Valorize as iniciativas nesse sentido.
10. As escolas são grandes espaços de aprendizagem. Em muitas, as crianças e os adolescentes estão aprendendo sobre a história e a cultura dos povos indígenas e da população negra e como enfrentar o racismo. Ajude a escola de seus filhos a também adotar essa postura.
Reportagem de Amanda Cieglinski, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 30/11/2010
http://www.ecodebate.com.br/2010/11/30/unicef-lanca-campanha-para-combate-ao-racismo-contra-criancas/

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Pierre Verger x Joana Elbein



             A aula de Sistemas Religiosos do 3º ano na FTU nos trouxe mais uma grande surpresa. 
            A leitura de dois textos propostos pelo Prof. Olavo (Ygbere) foi difícil.
            Página após página, dúvidas surgiam. 
            Os dois autores, Pierre Verger e Juana Elbein, são respeitadíssimos em seus meios. Ambos constituem leitura obrigatória para quem se propõe a compreender as Religiões Afro-Brasileiras, e são de fundamental importância para quem deseja ser um Teólogo Umbandista.
            Pierre Verger, um jovem abastado francês que resolve viver fotografando a cultura africana, e que fica famoso com isso, vem para o Brasil, e se aproxima das Religiões Afro-Brasileiras, passando a escrever sobre elas. Chega a visitar a África algumas vezes, onde recebe o título de Fatumbi, e a outorga de Babalawô.
            Juana Elbein, antropóloga, iniciada no Santo e esposa de um Babaogê famoso na Bahia, defende seu doutorado em Sorbone/França com a tese Os Nagô e a Morte, e que posteriormente vira um dos livros mais lidos pelos adeptos das Religiões Afro-Brasileiras.
            O primeiro texto, escrito por Pierre Verger, é uma crítica ao livro Os Nagô e a Morte, escrito por Juana Elbein. Neste texto ele a acusa formalmente de construir um sistema teogônico sofisticado, estruturado, embelezado, dualista.  Chama atenção para obras que deram origem a erros crassos de interpretação da cultura africana, e como estas obras foram sendo assimiladas e reproduzidas por outros autores, até chegarem aos dias atuais.  Erros conceituais, e até de simples tradução ou entonação vocal originaram, segundo ele, erros irreparáveis. E para os pesquisadores menos preparados, ou menos sérios, estes conceitos foram fatais. Enfim, Verger coloca dúvidas razoáveis na obra de Juana Elbein. Questiona sua idoneidade e sua reputação como Antropóloga.
            O segundo texto foi escrito por Juana Elbein, como direito de resposta dado pela mesma revista que publicou o texto de Verger. Neste texto, Juana fala do conceito “desde dentro”, como uma iniciada e verdadeiramente envolvida com o Santo, chamando a atenção para o fato de que, embora Verger tenha o título de Babalawô, jamais teve terreiro. Segundo ela, sua experiência de anos vividos em dois terreiros famosos da Bahia, mais a sua convivência conjugal com seu Pai de Santo, capacitam-na para escrever sobre tudo que viu e ouviu. Ela chama isto de Antropologia Iniciática.
Acusa Verger de buscar o exotismo, a beleza e o bom primitivo, desprezando a capacidade do povo africano em construir uma teogonia tão complexa e paradigmática. Questiona ela os conceitos expostos no conhecimento acadêmico. Questiona também a capacidade de Verger em interpretar os valores dos povos africanos. Acusa-o de falta de probidade, de ter limitações metodológicas, e de produzir conceitos esvaziados de conteúdos filosóficos.
Segundo ela, Verger insiste em manter a cultura africana no primitivismo, num estágio inferior, fácil de ser manipulada e dominada. Mais um discurso colonialista europeu. Tenta desvalorizar a tradição oral, fonte primordial do conhecimento das Religiões Afro-Brasileiras, e procura desacreditar a sagrada relação mestre-discípulo, que caracteriza o caminho da Iniciação dos terreiros.
Em sua visão racista, mantém a visão folclorizante do outro, que se deseja dominar, procurando alienar e cooptar.
O discurso de Pureza esconde o vil preconceito. Pretendendo proteger os incapazes, procura manter o monopólio da Verdade, e reage à mínima contrariedade, quando vê seu Poder ameaçado.
Juana mostra-se coerente, consciente de seu papel. Verger, ao contrário, mostra-se arrogante e superior.
Ficam bem claros os conflitos de gênero entre Verger e Joana. Mas, acima de tudo, fica evidente a questão de hierarquia. Como pode uma iniciada sobrepor a opinião de um Babalawô? Verger não suportou, por certo, as duas coisas ao mesmo tempo. Perda de prestígio, humilhação e medo do ostracismo, teria sido isso que pensou Verger para compilar seu texto?
É inegável o valor de Verger, ele é referência em todos os textos escritos sobre o Povo de Santo. Mas, é inegável que este texto deixou bem claro que a tolerância com as diferenças não era uma qualidade dele.
Em minha pouca experiência, achei fabuloso poder encontrar textos tão bem escritos, e capazes de manter minha atenção por tão longo tempo. 

Ver também:
https://drive.google.com/file/d/0B0QWMww0gZVYMmFZemViU3p0d3M/view

Bioética, fé e transfusões de sangue

Por Celio Levyman em 23/11/2010



Estado de S. Paulo deu alguma repercussão a caso que envolve morte de jovem de 13 anos cujos pais não autorizaram transfusão sanguínea e há decisão de Câmara Criminal do Tribunal de Justiça quanto a ser levado a júri ou não o casal.
Não observei o mesmo destaque em demais órgãos de imprensa, o que julgo uma falha, pois é assunto de alta relevância – não especificamente o caso em si, mas a noção da autonomia do paciente, deveres dos médicos, aspectos jurídicos, notadamente constitucionais, e mesmo na prática da profissão médica: não é diariamente que aparecem casos envolvendo transfusões e Testemunhas de Jeová, mas há tempos que isso gera polêmica que extrapola os limites teóricos da discussão intelectual bioética.
Assim como judeus, ciganos e homossexuais, as Testemunhas de Jeová também foram alvo da perseguição nazista nos sombrios tempos da Segunda Guerra e seus campos de concentração. É fato conhecido que os que seguem essa doutrina específica não aceitam a transfusão de sangue por motivos religiosos, que refogem a essa análise. Há algumas décadas, quando começaram a aparecer substâncias expansoras de volume, não derivadas de sangue, e mesmo tentativas de "sangue artificial" – como o d-Fluosol, pesquisado pelos japoneses, que acabou por não se mostrar útil –, os seguidores desse credo passaram a assediar, no bom sentido, médicos em congressos, cursos, reuniões e situações similares com fotocópias de artigos científicos mostrando alternativas à transfusão sanguínea. Em parte isso é verdade, mas ainda há muitos casos em que o uso de sangue total ou derivados do mesmo tem que ser administrado, caso contrário o risco à vida de um paciente é extremamente alto. A Bioética, ramo mais recente do conhecimento, dá um grande poder à autonomia do paciente; ele pode aceitar ou não um dado procedimento diagnóstico ou terapêutico, mesmo sem conhecimento da ciência médica.
O caso de atonia uterinaO ideal é que o paciente possua informações suficientes para sua decisão e assine um consentimento informado. Há uma grande influência do modo de pensar da sociedade norte-americana nesses assuntos e o Brasil certamente ainda não os assimilou por completo. Um exemplo que costuma ser sempre citado é de um bioeticista da Universidade de Princeton, Peter Singer, que segue uma linha utilitarista, o que permitiria desde a eutanásia até a recusa completa em receber um dado tratamento. Esse tipo de visão das coisas acaba por se chocar com a Constituição brasileira, por exemplo, no caso da terminalidade da vida. Médicos acostumados a lidar com pacientes de extrema gravidade, como politraumatizados, oncologistas e outros – e sou favorável a essa linha – lutam por não haver decisões ditas como "heroicas", prolongando inutilmente a vida de um doente que se sabe ser incurável, e que apenas sofrerá, com seus familiares, sem benefício algum. Os cuidados paliativos devem ser administrados, o paciente não é abandonado, ao contrário: apenas se evitam medidas dolorosas e infrutíferas. Mas isso encontra discordância entre os próprios juristas – o Conselho Federal de Medicina já editou resolução favorável a isso e o novo Código de Ética Médica em vigor em nosso país também abarca o assunto; mesmo assim, a OAB de São Paulo e o Ministério Público paulista consideram tais medidas equivalentes à eutanásia, portanto uma forma de homicídio, enquanto a OAB nacional se posiciona a favor.
Retornando à questão de transfusões de sangue e Testemunhas de Jeová, algumas lembranças podem ilustrar mais o assunto.
Na década de 1990,quando eu era conselheiro do Cremesp, foi marcado um julgamento para analisar um caso enviado pela comissão de ética médica de uma maternidade, pois uma gestante faleceu por não ser permitida a administração do sangue. A mesma era Testemunha de Jeová.
O caso envolvia algumas particularidades. Os denunciados (o equivalente a réu na justiça comum) contrataram importante e competente advogado. Duas semanas antes do julgamento, esse advogado fez distribuir a cada conselheiro um extenso material ligado ao caso e às demais questões religiosas, éticas e de autonomia, em impresso, encadernado.
O caso em si, resumidamente, era o seguinte – uma grávida, saudável, fez o pré-natal corretamente e toda sua família, incluindo a mesma, seguiam essa doutrina religiosa. Os médicos da equipe da maternidade que atendiam o caso atuaram da maneira aparentemente correta. Contudo, ao final do parto, ocorreu uma das mais graves complicações obstétricas: a atonia uterina. A musculatura do útero não se contrai, há gravíssima hemorragia que deve ser rapidamente compensada com transfusão sanguínea e o útero tem que ser retirado cirurgicamente. Portanto, deve ser feita uma histerectomia.
Valores de indenização são muito baixosContudo, a equipe médica não solicitou sangue, administrou expansores de volume ineficazes e a paciente faleceu. Dado importante: toda a equipe médica, obstetras e anestesistas, também eram Testemunhas de Jeová! Como ocorreu o óbito, o caso foi para a comissão de ética e chegou tempos após a julgamento. Durante o julgamento, discutiu-se muito a questão da transfusão – a paciente não apenas havia proibido a transfusão, mas também escolhera equipe médica da mesma crença.
Após quase duas horas de discussão sobre como agir, um dos conselheiros presentes, conhecido e importante professor universitário de obstetrícia, interrompeu o julgamento: segundo disse, tudo estava errado, pois teria havido um erro médico grosseiro durante o parto, que levou à atonia uterina. Dessa maneira, a questão do sangue era completamente secundária. O julgamento foi interrompido e novo processo teve que ser aberto em relação à imperícia médica, nada havendo com a questão da transfusão sanguínea. Contudo, se há alguma crítica relativamente importante a ser feita a tais postulados, naturalmente não aqueles ligados ao conhecimento técnico, é o de uma ética profissional bastante paternalista, colocando nas mãos dos médicos as decisões, por assim dizer.
A Bioética, ramo mais recente e amplo que analisa essas questões também com pessoas não ligadas à área de saúde, é bem menos paternalista; como surgiu em decorrência de decisões de quem poderia ou não fazer transplante renal em Seattle, nos EUA, na década de 1970, aliada à própria cultura da população estadunidense, passou a dar uma atenção bastante grande à autonomia do paciente. Dessa forma, caso o paciente recuse um método diagnóstico ou terapêutico, ou queira ter mais e melhores informações de sua doença, isso passa a ser um direito incontestável. Combinando-se esse fato com a característica judicante dos americanos por indenizações por dano moral, que ocorre muito mais que erros médicos reais, nasceu o consentimento informado. O paciente assina uma autorização para o procedimento indicado, autorizando o mesmo e dizendo-se estar informado e ciente das vantagens e riscos do que será feito. Apenas para lembrar? o consentimento informado já é rotina por aqui também, embora nossos tribunais sejam muito mais resistentes a condenar alguém por dano moral e, quando o fazem, os valores de indenização são muito mais baixos que os dos EUA, exatamente para prevenir a indústria do dinheiro ganho às custas de queixas como "o médico foi grosseiro", que na América do Norte pode render milhares e até milhões de dólares em indenização. Isso gerou uma indústria paralela de seguro contra o alegado erro médico por lá, o que só encareceu ainda mais a já dispendiosa medicina atual, bastante tecnológica.
Autonomia deve ser respeitadaNa década de 1980, o Conselho Federal de Medicina editou resolução criada especialmente para os casos das Testemunhas de Jeová, obrigando os médicos a salvar uma vida em risco que dependesse de transfusões de sangue, mesmo contra a vontade do paciente. Vários médicos, especialmente em serviços de emergência e terapia intensiva, administram sangue e derivados nos casos que preencham os requisitos de necessidade absoluta, sem o paciente estar ciente ou mesmo enganando os mesmos.
Em minha opinião, isso está desatualizado e vai contra o princípio da autonomia. Não apenas isso: o paciente cuja crença seja a das Testemunhas de Jeová, se recebe sangue, pode ter sua vida terrena salva, mas na sua concepção religiosa estaria condenado para todo o sempre, para a eternidade. Não devemos respeitar, então, os credos religiosos? Como nos casos de terminalidade da vida, há sentenças diferentes para casos idênticos, pois não há um consenso ou súmula vinculante que abrace o problema.
Em conclusão, a autonomia deve ser respeitada, em minha opinião. Se o paciente estiver consciente e recusar o sangue, deve se respeitar sua vontade e o mesmo assinar um termo de responsabilidade informado. Caso esteja em coma, por exemplo, os responsáveis legais devem assumir essa ação.
O papel da imprensaNeste caso brasileiro a que aparentemente apenas o Estadão deu a atenção devida, os desembargadores não decidiram por unanimidade: foi por 3 a 2 a votação que se validou a decisão da primeira instância, de levar a júri os pais da paciente e um médico que aparentemente ameaçou a equipe: homicídio doloso. O advogado dos mesmos, conceituado e competente, vai recorrer ao STJ e ao STF se necessário for, como informou.
O caso é ainda mais complexo em suas particularidades: à época dos fatos, em 1993, a paciente tinha 13 anos, era menor, estava consciente e decidiram por ela. E mais: era portadora de anemia falciforme, doença hematológica altamente dolorosa nas crises e grave, na qual, em muitos casos, além de analgésicos potentes, não há alternativa a não ser a transfusão sanguínea.
Dessa maneira, creio que o CFM deve reformar sua antiga resolução e respeitar os princípios religiosos e a autonomia do paciente, mesmo que isso implique no risco de morte do paciente. O mesmo deveria se aplicar aos códigos e sentenças legais.
Finalmente, no caso em questão, provavelmente os conselhos de medicina e a Justiça estão corretos: embora menor de idade, aos 13 anos uma pessoa já tem condições de decidir sobre sua própria vida, levando em conta sua religião e outros conceitos. De qualquer modo, o juiz singular e os magistrados têm dolorosa missão, pois podem levar à condenação pessoas que estavam querendo o melhor para a filha, embora baseados em crença, e não na realidade médica. Haverá um meio termo para isso? Difícil dizer, mas toda a imprensa deveria acompanhar, discutir em editoriais e entrevistar as pessoas que tenham ligações com tais áreas da maneira mais ampla possível. Apenas uma decisão da sociedade poderá levar a uma decisão mais próxima do justo. Que todos cumpram seu papel.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=617JDB001

Teologia representa elo de mediação entre as tradições religiosas e a sociedade

23/11/2010 - Ao lado de representantes das mais variadas tradições religiosas, a professora Maria Elise, participou nesta segunda-feira, 22, na sede do Conselho Nacional de Educação (CNE), em Brasília, da audiência pública para a discussão sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de bacharelado em Teologia. 
Ao expor sobre a temática Ética, bioética e Diretrizes Curriculares Nacionais para o campo da Teologia, Rudolf deixou claro que a sua mensagem estava fundamentada em preceitos oriundos de uma teologia cristã e evangélico-luterana, o que não impossibilitava pontos de encontro com outras confessionalidades e religiões.

Em sua explanação, Rudolf defendeu o caráter confessional da teologia que, ao mesmo tempo, precisa realizar esforços de mediação entre uma tradição específica e a sociedade mais ampla. “Enquanto a teologia traduz sua postura confessional para fora, traduz também os desafios e questionamentos vindos de fora para dentro”, pontuou.

Na perspectiva do professor, o caráter público da teologia se manifesta mais claramente em torno da discussão de questões de ordem ética. Embora os preceitos éticos estejam alicerçados em uma tradição, doutrina e documentos fundadores, disse Rudolf, estes precisam ser mediados com a realidade vivida e com a percepção desta realidade pelas ciências, especialmente as humanas e as sociais.

Tomando como exemplo os questionamentos suscitados em torno de assuntos como o aborto e a pesquisa com células tronco embrionárias, o pró-reitor de pesquisa da EST argumentou sobre a impossibilidade de se atingir um juízo adequado sem o desenvolvimento de um debate interdisciplinar.

“Qualquer que seja o juízo, tal diálogo interdisciplinar e a percepção do pluralismo de posições pode e deve ser exigido de um curso acadêmico de teologia”, enfatizou.

Coordenada pelos Conselheiros do CNE, Dr. Antônio Araujo Freitas Junior e Dr. Gilberto Gonçalves Garcia, a audiência pública representou uma iniciativa inédita, reunindo cerca de 100 pessoas no Edifício Sede do Conselho, sendo transmitida na íntegra pela internet.

A comissão que dirigiu a audiência aguarda as sugestões adicionais ao documento da minuta das Diretrizes que pode ser acessado clicando aqui .

Foto: Palestrantes da Audiência Pública (da esquerda para a direita):
Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas, Faculdade de Teologia Umbandista; Antonio Cesar Perri de Carvalho, Secretário-Geral do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira; Cleto Caliman, PUC-MG; Rudolf von Sinner, EST; Lourenço Stelia Rega, Faculdade Batista de São Paulo; Paulo Fernando Carneiro de Andrade, PUC-RIO.


Jornalista Responsável: Micael Vier Behs 

http://www.est.edu.br/index.php?id_noticia=734&option=com_comunicacao&Itemid=54&task=detalhe&nro_foto=1

 * Havia mais de 2000 instituições conectadas ao CNE durante esta Audiência Pública, estando mais de 100 pessoas no evento.
Nossa professora Maria Elise Rivas foi chamada para representar a Teologia Umbandista.  E foi com alegria que vimos a história mudar.
Vimos uma mulher representar um segmento tão desprezado quanto as Religiões afro-brasileiras, sentando-se ao lado de segmentos tradicionais e ortodoxos.
São notáveis as conquistas alcançadas pela Religiões Afro-Brasileiras por meio da FTU.
A Teologia outrora dominada pelo sectarismo religioso, agora se apresenta como plural e igualitária. A FTU chamou à consciência e novas diretrizes já começam a ser estruturadas.
Paó à FTU e à Prof. Maria Elise que fazem, dia após dia, mudanças estruturais na sociedade!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Documento Final do III Encontro Continental do Povo Guarani

Por Egon Heck, de Assunção, Paraguai


O céu se preparava para derramar sua benção sobre as centenas de Guarani que estavam em Assunção, concluindo mais um importante momento de suas lutas pela “terra,território, autonomia e governabilidade”. A manhã estava reservada para a discussão e aprovação do documento final e a entrega deste às autoridades. Por razões de saúde o presidente Lugo não veio ao encontro. Porém um grupo foi recebido por ele em sua residência.
Recebeu com grande interesse as informações sobre o encontro e suas decisões. Prometeu dar prioridade à questão indígena quando o  Paraguai estiver na presidência do MERCOSUL.
Enquanto a comissão entregava o documento a Lugo, no plenário os ñanderu faziam o ritual da benção do documento final. Cantos e falas dos líderes religiosos de todos os países,  tornaram o momento muito cheio de emoção e dignidade.
Dentre os avanços deste encontro fica a criação do Conselho Continental da Nação Guarani, que tem como objetivo maior consolidar a articulação, solidariedade e organização dos povos Guarani, na perspectiva de conquista de seus direitos, na construção da autonomia em seus territórios. Também ficou assumida a importância de crescer a consciência da Nação Guarani, com sua cosmovisão e projeto de vida , a partir de sua identidade e cultura.
Segue o documento final:
DOCUMENTO FINAL DO III ENCONTRO CONTINENTAL DO POVO GUARANI
ASSUNÇÃO, PARAGUAI,   15 a 19 de Novembro de 2010

Nós, representantes de diferentes organizações indígenas da Nação Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, nos reunimos na cidade de Assunção, Paraguai durante o III Encontro Continental do Povo Guarani dando continuidade ao I Encontro Continental realizado em São Gabriel/RS Brasil, em 2006 e do II Encontro Continental que aconteceu na cidade de Porto Alegre/RS Brasil em 2007. Hoje, sob o tema Terra-Território, Autonomia e Governabilidade, animando permanentemente nossos corações pelas palavras sábias de nossos anciões e anciãs, buscando compreender a partir das coincidências em longos debates e profundas reflexões realizadas sempre de acordo com os princípios de respeito e consensos, tradicionais em nossas culturas, queremos fazer chegar ao mais profundo do espírito das autoridades, nacionais e internacionais e a todos os cidadãos dos lugares que habitam nosso pensamento nestas palavras.
CONSIDERANDO
*  Que a Nação Guarani sempre teve um espaço territorial próprio o “Yvy maraê’y” ou Terra Sem Mal que extrapola fronteiras.
*  Que desde a cosmovisão da Nação Guarani, parte de nossas milenárias culturas: o fogo, o ar, a terra e a água, constituem uma unidade e são elementos vitais para a vida; a terra sagrada é a vida para nossos povos.
*  Que a Nação Guarani a partir da sua cosmovisão sempre buscou evitar confrontações com os que se apropriaram de seu território, de forma violenta na maioria das vezes.
*  Que desde a demarcação das fronteiras nacionais a Nação Guarani ficou fragmentada e dividida geopoliticamente em etnias, comunidades, aldeias, famílias, condição esta que enfraqueceu significativamente seu projeto espiritual, cultural e linguístico como Nação.
*  As transnacionais e/ou multinacionais, com o apoio dos diferentes governos no poder não respeitam os direitos consuetudinários e coletivos da Nação Guarani, destruindo territórios, expulsando comunidades.
*  Os diversos governos não atendem as demandas da Nação Guarani apesar da existência de normas nacionais e internacionais que protegem e promovem os direitos dos povos indígenas; como a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas e as leis nacionais, Constituições e Leis dos Estados.
*  São exemplos do afirmado acima que o Poder Judiciário brasileiro autoriza despejos de comunidades da Nação Guarani de seus territórios, contra as leis e os protegem.
*  O não cumprimento, pelo governo brasileiro, do art. 231 da sua Constituição Federal, sobre a demarcação das terras; da mesma forma o governo argentino não cumpre a lei 26.160 “de Emergencia de la tierra comunitaria indígena” para a demarcação territorial.
*  Na Argentina se pretende vender o Lote 08 da reserva da Biosfera Yaboti, declarada pela UNESCO em 1992, a uma Fundação com fundos europeus, quando ali vivem ancestralmente duas comunidades da Nação Guarani
*  A Nação Guarani no Paraguai sofre uma perda constante de seu território ancestral fruto de uma carência de políticas efetivas orientadas em defesa do mesmo
*  Existem inúmeras comunidades que vivem em condições subumanas, sem as mínimas condições de segurança física, de saúde e alimentação.
*  Na Bolívia a demanda de Território pela Nação Guarani ainda não resultou em total titulação das terras que ocupam.
*  Que a destruição massiva e constante dos recursos naturais, por parte das empresas transnacionais, está deteriorando os bens florestais indiscriminadamente no território Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, gerando danos irreparáveis, fezendo-os sofrer os efeitos das mudanças climáticas, das quais não são os responsáveis.
*  Que a construção das Hidrelétricas Binacionais (Itaipu e Yaceretá) no território Guarani, sem consulta a nossa Nação, produziu não apenas irreparáveis danos ambientais, como também violação dos direitos territoriais, culturais e religiosos da Nação Guarani.
EXIGIMOS:
*  Dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai o reconhecimento como Nação Guarani e sua condição de Transterritoriais e Transfronteiriços e que por esta razão devem ter os mesmos direitos de saúde, educação e trabalho nos quatro países.
* Dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai dêem reconhecimento constitucional a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da OIT.
*  Que deixem de entregar às empresas transnacionais, multinacionais e nacionais territórios da Nação Guarani para sua exploração e devastação, transgredindo os direitos coletivos que os protegem.
*  Do governo da província de Misiones – Argentina – a não autorização da venda do Lote 08 – território Guarani – na reserva da biosfera Yaboti.
*  A demarcação imediata de todas as terras e territórios Guarani. Cumprimento da lei 26.160 da Argentina e que no Brasil o Supremo Tribunal Federal julgue imediatamente todos os processos de demarcação no estado do Mato Grosso do Sul, respeitando o artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
*  A não instalação de novos mega-represas comprometendo territórios Guarani e que tanto as Binacionais Itaipu e Yaceretá reconheçam o dano causado as comunidades, restituindo seus territórios.
*  Do governo Boliviano o cumprimento das exigências de maiores extensões de terra à Nação Guarani.
*  Que os espaços políticos internacional impeçam a criminalização das exigências da Nação Guarani.
*  Punição aos que cometeram crimes que afetaram indígenas na luta pelos seus direitos.
*  Que sejam respeitados aos avanços conquistados pela Nação Guarani nos espaços políticos nacionais e internacionais.
*  Que as empresas transnacionais respeitem as normas ambientais, que evitem a destruição massiva e constante dos recursos naturais por parte das mesmas.
*  Que todos os países sobre os quais incide o território da Nação Guarani compreendam e tomem consciência que os direitos sobre a Terra e o Território são inalienáveis e imprescritíveis.
RESOLVEMOS:
PRIMEIRO – A terra e o território são direitos inalienáveis da Nação Guarani, são a vida de nossas cosmovisões; condição que nos permite ser livres e autônomos “IYAMBAE”.
SEGUNDO – Consolidar nossa organização em cada um dos países com presença Guarani a fim de efetivar nossas demandas como Nação Guarani.
TERCEIRO – Constituiu-se um Conselho Continental da Nação Guarani para a articulação com Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai em suas demandas reivindicatórias, e com ele fortalecer nosso desenvolvimento econômico, social e político.
QUARTO – Participar em todas as instancias democráticas do Argentina, Brasil e Paraguai segundo nossos usos e costumes como Nação Guarani conseguindo desta maneira fazer chegar as nossas demandas as máximas instâncias de decisão política.
QUINTO – Exortamos a todos a somarem-se a essa luta, aqueles que fazem parte do pensamento e sentimento da Nação Guarani – organizamos nacionais e internacionais, ONGs, Movimentos Sociais e outros – para apoiar com propostas e projetos orientados a partir  da reivindicação dos direitos consuetudinários e etno-culturais dos Guarani.
SEXTO – Nos declaramos em permanente resistência ante as violações e subjugações ocorridas em toda a extensão de nosso território como Nação Guarani.
SETIMO – Nos unimos na defesa de nossa mãe terra ante a contaminação progressiva do ambiente provocado pelas atividades de exploração do subsolo e hidrelétricas que vulneram os direitos a culta e participação da Nação Guarani.
É o que pensamos, sentimos e dizemos sobre nossos direitos coletivos e as obrigação que tem com a Nação Guarani os países que hoje ocupam nosso território, na esperança de poder conviver na harmonia e liberdade como foi o pensamento de nossos heróis ancestrais.
Documento socializado pelo CIMI e publicado pelo EcoDebate, 24/11/2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A transitoriedade das Gerações

Gilberto Barros Lima

  • 17/11/2010


    A escrita desse artigo inspirou-se nas citações de Carlos Drumond de Andrade revelando que “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial”. Essa primeira iniciativa estabeleceu a demarcação dos acontecimentos históricos e do mesmo modo aquilo que representou de mais importantes em nossas vidas.

    Drumond ainda se refere com a genialidade desse indivíduo, no trecho que há a divisão do tempo em fatias, ali também se “Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão: Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos”, a segunda citação exemplifica a continuidade da História e de tudo o que realizamos durante um longo ano.

    Distante do formalismo citado por Drumond, a maioria das pessoas afirma que atualmente o tempo voa e tudo passa numa rapidez tremenda, assustadora, voraz, animalesca e tantos outros adjetivos temporais quanto a esse contexto.

    A próxima citação drumondiana (termo batizado nesse exato momento) revela que “Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar, que daqui para diante vai ser diferente”.

    Que maravilhosa verdade explicitada por Drumond, ele se refere a quanta solidez existe nas palavras renovação e recomeço, quantas situações enumeramos para a construção de uma nova credibilidade de nossas ações, planos, desejos, sonhos e objetivos. Somos reféns daquilo que desejamos fazer diferente na próxima experiência, noutras palavras, diante da realidade surge outra questão filosófica shakespeariana do “Ser ou não ser. Eis a questão”.

    Todos os argumentos citados revelam o frenético cotidiano da sociedade, apontando um período em que somos escravizados por sistemas políticos, econômicos e sociais. Realmente o mundo está magistralmente compilado nesse método preferencial regido pelas grandes potências, governado por uma minoria de pessoas multimilionárias, e consequentemente, estabelecendo novas regras de poder.

    A transitoriedade das gerações tem como finalidade calibrar o desenvolvimento econômico, toda adulação oportunista revelam traços de caráter heterogêneo dos líderes mundiais, sobretudo, as suas governanças são constituídas de ações maquiavélicas diluindo o conceito da igualdade econômica, política, social e principalmente o poderio militar.

    Cada geração vivenciou períodos diferenciados, nalguns momentos a História apresentou momentos sombrios, noutros os avanços tecnológicos permitiram inúmeros benefícios para toda a humanidade. Nessa dualidade de conceitos o mundo continua sendo empurrado por aceleradas mudanças, surgindo mais tensões múltiplas e ampliando o gritante contraste social entre todos os Países.

    O mundo tem sido gerido erroneamente, perpetuando valores para os mais ricos e reduzindo mais inda as possibilidades de recursos para os mais pobres. Cada descoberta apresentada a sociedade, alguns usufruirão dessa novidade enquanto tantos outros se distanciarão das benesses tecnológicas.

    A solução emergencial é integrar toda a humanidade para obter o equilíbrio socioeconômico, mas até mesmo esse desenvolvimento pode causar diversos desequilíbrios ambientais e piorar a situação de vários Países. Caminhamos para um futuro incerto, duvidoso e preocupante.

    Que transitoriedade, nós ofereceremos as futuras gerações, qual a herança deixaremos para a continuidade de nossos familiares, que mundo nós entregaremos para o futuro?

    O questionamento merece uma minuciosa reflexão.

    Gilberto Barros Lima é Bacharel em Relações Internacionais (IBES-SC), Pós-graduado em Gestão de Negócios Internacionais (ICPG-SC) e Metodologia da Pesquisa e do Ensino Superior (IBES-SC), Captador de Recursos (Fundraiser) do Centro de Recuperação Nova Esperança (CERENE) e Professor Universitário em Responsabilidade Social. E-mail: gbarroslima@yahoo.com.br  

Que fizemos com nossos filhos?

http://www.blogcidadania.com.br/2010/11/que-fizemos-com-nossos-filhos/

Não importa se o seu filho é decente. Todos os pais somos culpados por essa juventude que nas últimas semanas chamou atenção do país para o nível de degradação moral e para os instintos perversos que passou a exibir em sua parcela “bem-nascida”, que, portanto, não tem desculpa como a dos jovens carentes para agir de forma anti-social.
Até por omissão, no mínimo permitimos que amigos ou parentes ensinassem aos filhos intolerância e preconceito. Assistimos impassíveis a pessoas que conhecemos começarem a mutilar na infância o caráter desses jovens que estão dando shows deprimentes de intolerância, de racismo, de xenofobia, de homofobia e sabe-se lá mais do quê.
Todos sabemos que essas barbaridades preconceituosas são ditas há muito tempo por pais dessa geração que agora dá esse espetáculo dantesco. Claro que tomavam cuidado de só dizer isso em festas fechadas ou em reuniões familiares. Todavia, quantas vezes, para não “criar caso”, assistimos a tais atitudes e condescendemos com elas?
Quem não tem aquele sogro, cunhado, genro, tio, vizinho reacionário, preconceituoso que, eventualmente, propõe separar o Sul-Sudeste do Norte-Nordeste, ou que se refere a nordestinos como “baianos” ou “paraíbas”, ou que diz, inclusive diante das crianças, que teve vontade de ser violento com um homossexual ou, no mínimo, de insultá-lo?
E o que fizemos? Dissemos às crianças ou adolescentes presentes que não deveriam imitar quem acabara de pregar condutas tão imorais? Para não nos incomodarmos, para não passarmos por “encrenqueiros” ou por “chatos”, talvez tenhamos até rido de piadas racistas, xenofóbicas ou homofóbicas diante de nossos filhos ou dos filhos de outrem.
Aí está o resultado. Nas redes sociais na internet pode-se encontrar legiões de milhares de jovens propagando tais sentimentos degenerados como se estivessem recitando poesias.
Para os que como nós, pais, pertencem a uma geração que acalentava ideais de liberdade, de igualdade e de fraternidade na juventude, é vergonhoso que tenhamos cedido às perversões que a maioria de nós combateu quando tinha a idade dessas pouco mais do que crianças que estão chocando o país com as suas condutas perversas.
O que fizemos com os nossos filhos? Será que imaginamos que aqueles que estão mais perto do poder – por suas condições sociais – nutririam, quando crescessem, esse desprezo tão estarrecedoramente completo pelos seus semelhantes?
Claro que grande parte dessa geração que está para chegar ao poder não compartilha as idéias pervertidas que temos visto se espalharem, mas, como dizia Martin Luther King, “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.
É na omissão que nos tornamos todos cúmplices. Tanto os que deram tais exemplos aos seus filhos quanto os que não deram mas permitiram que amigos ou parentes dessem, e que não agiram para mostrar àqueles filhos que aquela conduta não poderia jamais ser imitada.
Talvez jogando a luz do Sol sobre essas criaturas gestadas nas trevas morais erguidas por pais irresponsáveis ganhemos tempo para salvar alguma coisa da mentalidade de uma juventude apática de ideais e de valores que só pensa em ganhar dinheiro e em se “posicionar” socialmente junto aos “vencedores”. Talvez, mas só talvez…
Eduardo Guimarães

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