segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Período de chuvas contribui para a proliferação dos caramujos africanos

O caramujo africano (Achatina fulica) – Quando infectado por parasitos, o caramujo africano pode transmitir dois tipos de doenças. A meningite eosinofílica é a única que teve casos registrados no país
Introduzido no país na década de 1980, o molusco que serviu como aposta comercial, na busca de uma alternativa mais barata ao escargot, se transformou em uma verdadeira praga. O caramujo africano (Achatina fulica), é dotado de alta capacidade de reprodução e hoje se disseminou em 24 dos 26 estados brasileiros. Os impactos para a biodiversidade são evidentes, mas os riscos à saúde pública também preocupam. A prevenção no contato com o animal e o controle das populações do caramujo são fundamentais.
“Nos ambientes urbanos as populações desses moluscos são densas, invadem e destroem hortas e jardins. Como são formadas por animais de grande porte, com 10cm em média, causam transtornos às comunidades das áreas afetadas”, esclarece a pesquisadora Silvana Thiengo, responsável pelo Laboratório de Referência Nacional em Malacologia Médica do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Segundo a especialista, um exemplar do molusco pode colocar uma média de 200 ovos por postura e se reproduzir mais de uma vez ao ano. “As numerosas populações do molusco no Brasil devem-se principalmente ao seu grande potencial biótico e à ausência de patógenos específicos. Apesar de serem herbívoros, são muito vorazes e pouco exigentes para se alimentar, comendo praticamente de tudo”, explica.
Quando infectado por parasitos, o caramujo africano pode transmitir dois tipos de doenças. A meningite eosinofílica é a única que teve casos registrados no país. É causada pelo verme Angiostrongylus cantonensis, que passa pelo sistema nervoso central, antes de se alojar nos pulmões, num ciclo de transmissão que envolve moluscos e roedores. Já a angiostrangilíase abdominal, que ocorre no país, porém sem registro de transmissão pelo caramujo africano, é causada pelo parasito Angiostrongylus costaricensis. Muitas vezes é assintomática e em alguns casos pode levar ao óbito, por perfuração intestinal e peritonite.
Catação manual é a melhor medida de controle
Em função da alta toxicidade dos produtos químicos, a pesquisadora não recomenda o uso de pesticidas para controlar a proliferação do caramujo africano. No caso de serem usados devem ser aplicados pelo órgão governamental responsável, como secretarias de Saúde, de Ambiente, ou de Agricultura. Silvana reforça que a catação é a forma mais eficaz de controle. “A melhor opção é a catação manual dos caramujos e de seus ovos que são esféricos, amarelados e ficam semi-enterrados, sempre com as mãos protegidas com luvas ou sacos plásticos. Este procedimento pode ser realizado nas primeiras horas da manhã ou à noitinha, horários em que os caramujos estão mais ativos e é possível coletar a maior quantidade de exemplares. Durante o dia, eles se escondem para se proteger do sol”.
Na África, local de origem do caramujo gigante, o ambiente conta com patógenos, como bactérias, fungos e parasitos, que realizam o controle natural dessa população. No Brasil, os estudos ecológicos sobre a espécie ainda são incipientes e as perspectivas para que ocorra um controle natural são baseadas em experiências de outros países, como os Estados Unidos. “No Havaí, a grande expansão do caramujo africano ocorreu poucos anos depois de sua introdução, na década de 30. Hoje, já não existem exemplares grandes como os encontrados aqui e a população diminuiu bastante. Esperamos que o mesmo aconteça no Brasil”, declara Silvana. “Mas o fundamental, sem dúvida, é promovermos o controle com a participação da população através da catação e da eliminação dos exemplares, seguindo as recomendações de segurança”.
Espécie nativa pode ser confundida com o caramujo africano
Com características semelhantes às do caramujo africano, moluscos nativos Megalobulimus spp., conhecidos popularmente como caramujo-da-boca-rosada ou aruá-do-mato, são costumeiramente confundidos com a espécie invasora. Silvana Thiengo explica que, diferentemente do molusco africano, a espécie brasileira se reproduz menos, colocando em média apenas dois ovos em cada ciclo reprodutivo. “Megalobulimus ssp. são espécies da nossa fauna e se parece com o Achatina fulica por seu tamanho. Como se reproduz pouco, é importante saber identificar a diferença entre os dois para que as espécies brasileiras não sejam prejudicadas nas ações de controle que são direcionadas ao caramujo invasor”, observa. A principal diferença entre essas espécies está na concha. “A concha do caramujo africano tem mais giros e é mais alongada. Já o molusco nativo é mais bojudo, gordo, tem menos giros e sua abertura é espessa, não cortante”, esclarece Silvana.
Cuidados na catação e descarte dos animais
- Para realizar a catação, as mãos devem estar protegidas com luvas ou sacos plásticos para evitar o contato com o animal;
- Os caramujos recolhidos devem ser esmagados, cobertos com cal virgem e enterrados;
- Recolher também os ovos, que ficam semi-enterrados e proceder da mesma forma usada para os animais coletados;
- Os caramujos e ovos recolhidos também podem ser mortos com solução de cloro, três partes iguais de água para uma de cloro, mas devem ser deixados totalmente cobertos por essa solução durante 24hs, antes de serem descartados;
- Jogar água fervente e incinerar também são opções, mas estes procedimentos devem ser realizados com segurança;
- O material ensacado também pode ser descartado em lixo comum, mas é preciso quebrar as conchas para que elas não acumulem água, tornando-se possíveis focos para reprodução de mosquitos.
Reportagem de Renata Fontoura, da Agência Fiocruz de Notícias:
 Silvana Thiengo mostra parte dos exemplares de caramujos que guarda em seu laboratório (Foto: Ana Limp)
Especialista comenta os riscos que os caramujos africanos podem representar para a população
Renata Fontoura

De acordo com dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), as espécies invasoras representam a segunda maior ameaça à biodiversidade em todo o planeta, só perdendo para os desmatamentos. No Brasil, um exemplo com impactos negativos para a natureza, a economia e também para a saúde humana é o caramujo africano, introduzido no país no final da década de 80, importado ilegalmente do leste e nordeste africanos como um substituto mais rentável do escargot. O Departamento de Malacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, que é centro de referência nacional em malacologia médica, atua na identificação do molusco e no estudo das doenças que ele pode transmitir ao homem. Em entrevista, a pesquisadora Silvana Thiengo comenta os reais riscos oferecidos pela espécie e esclarece quais cuidados devem ser tomados pela população.
Silvana Thiengo mostra parte dos exemplares de caramujos que guarda em seu laboratório (Foto: Ana Limp)

O caramujo gigante, ou africano, é uma espécie invasora. Como chegou ao Brasil?
Silvana: A Achatina fulica é uma espécie de origem africana. Temos notícia de que a espécie foi introduzida no Brasil por meio de uma feira agropecuária na década de 80, no Paraná. No entanto, não consta registro de autorização de importação desse material no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ou no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O propósito inicial era comercializar a espécie para consumo. Qual o resultado do fracasso desta tentativa?
Silvana: O caramujo africano foi importado para consumo humano, como uma opção ao escargot. Este molusco é consumido principalmente na África e tem suas vantagens nutricionais, como ser rico em proteínas. Na feira realizada no Paraná, foram comercializados kits que incluíam a matriz com um número determinado de exemplares e livretos que ensinavam como iniciar a criação. A promessa era de lucro imediato. Porém, como o brasileiro não tem hábito de consumir este tipo de alimento, a demanda não existiu e os criadores soltaram os moluscos inadvertidamente na natureza, sem imaginar o mal que estavam causando.
Onde o caramujo africano está presente no país atualmente?
Silvana: Cerca de duas décadas depois de ser introduzida, hoje a espécie está presente, além do Distrito Federal, em 23 dos 26 estados, incluindo a região amazônica e reservas ambientais. Atualmente, estamos presenciando a fase mais explosiva da invasão, ou seja, a ocorrência de densas populações, constituídas por grandes exemplares desses moluscos. Apesar de ser um molusco terrestre, observamos no Brasil a presença de A. fulica em margens de rios e em vegetação flutuante. No total de 5.561 municípios brasileiros, há registros da presença do caramujo africano em 439 – cerca de 8%. O maior número de municípios infestados está concentrado nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. No Rio de Janeiro, por exemplo, em junho de 2002 havia registros da presença do caramujo africano em oito municípios. Cinco meses mais tarde, já eram 16 municípios. Em junho de 2006, havia registros em 57 dos 92 municípios do Rio.
O caramujo africano está presente em ambientes urbanos, mas também em ambientes rurais. Quais os prejuízos neste contexto?
Silvana: Nos ambientes urbanos as populações desses moluscos são muito densas, invadem e destroem hortas e jardins. Além disso, como essas populações são formadas por animais de grande porte [10 centímetros, em média], causam muitos transtornos às comunidades das áreas afetadas. Perdas econômicas têm sido observadas, sobretudo em áreas de produção agrícola em pequena escala onde o caramujo africano pode ser considerado uma praga agrícola. Banana, brócolis, batata-doce, abóbora, tomate e alface são alguns dos itens mais atingidos.

 O IOC analisa caramujos enviados por secretarias de Saúde de todo o Brasil (Foto: Ana Limp)
O IOC analisa caramujos enviados por secretarias de Saúde de todo o Brasil (Foto: Ana Limp)

A proliferação rápida desses moluscos vem assustando a população. Quais os verdadeiros riscos oferecidos pelo caramujo africano?
Silvana: Existem duas zoonoses que podem ser transmitidas pelo caramujo africano. Uma delas é chamada de meningite eosinofílica, causada por um verme [Angiostrongylus cantonensis], que passa pelo sistema nervoso central, antes de se alojar nos pulmões. O ciclo da doença envolve moluscos e roedores. O homem pode entrar acidentalmente neste ciclo. No Brasil não há registro de nenhum caso da doença, que já foi verificada em ilhas do Pacífico, no Sudeste Asiático, na Austrália e nos Estados Unidos. A segunda zoonose é a angiostrongilíase abdominal, com casos já registrados no Brasil, mas não transmitidos pelo caramujo africano. A angiostrangilíase abdominal [causada pelo parasito Angiostrongylus costaricensis] muitas vezes é assintomática, mas em alguns casos pode levar ao óbito, por perfuração intestinal e peritonite. Em testes realizados em laboratório, Achatina fulica não se revelou um bom hospedeiro, sendo portanto considerado um hospedeiro potencial para o parasita,  causador da angiostrongilíase abdominal – mas, friso, trata-se de um hospedeiro potencial.
Qual o risco de os caramujos africanos passarem a transmitir estas doenças?
Silvana: No atual estado do conhecimento, podemos afirmar que o risco do caramujo africano transmitir estas duas parasitoses é muito pequeno. Mesmo assim, é preciso todo o cuidado ao manusear os moluscos encontrados livres no ambiente, que em hipótese nenhuma devem ser ingeridos.  Além disso, deve-se lavar bem as hortaliças e deixá-las de molho em uma solução de hipoclorito de sódio a 1,5% [uma colher de sopa de água sanitária diluída em um litro de água filtrada] por cerca de 30 minutos, antes de serem consumidas.
As populações de caramujo africano são muito numerosas. O que explica este fato?
Silvana: As densas populações desse molusco no Brasil devem-se principalmente ao seu grande potencial biótico e à ausência de patógenos específicos. Apesar de serem herbívoros, são muito vorazes e pouco exigentes para se alimentar, comendo praticamente de tudo. Um exemplar pode colocar em média 200 ovos por postura e se reproduzir mais de uma vez por ano. Estes ovos são mais ou menos do tamanho de uma semente de mamão, branco-amarelados e ficam semi-enterrados. Por isso, quando a catação é feita, é preciso estar atento para catar e destruir os ovos também.
Que cuidados a população deve tomar?
Silvana: A principal providência a ser tomada é o controle pela catação. O uso de pesticidas não é recomendado em função da alta toxicidade dessas substâncias. A melhor opção é a catação manual com as mãos protegidas com luvas ou sacos plásticos. Este procedimento pode ser realizado nas primeiras horas da manhã ou à noitinha, horários em que os caramujos estão mais ativos e é possível coletar a maior quantidade de exemplares. Durante o dia, eles se escondem para se proteger do sol.
Como eliminar os caramujos depois da catação?
Silvana: O sal, que seria uma opção para eliminar os moluscos, não é recomendado porque seu uso em excesso prejudica o solo e plantio. O Plano de Ação para o Controle de Achatina fulica do Ibama recomenda que após a catação os moluscos devem ser esmagados, cobertos com cal virgem e enterrados. Outras opções são jogar água fervente num recipiente para matar os caramujos recolhidos ou incinerar, desde que estes procedimentos sejam realizados com segurança. O material pode ser ensacado e descartado em lixo comum, mas é preciso quebrar as conchas para que elas não acumulem água e se transformem em focos de mosquitos, como o Aedes aegypti, vetor do vírus do dengue.
O caramujo africano costuma ser confundido com um molusco nativo brasileiro, o Megalobulimus sp, conhecido como caramujo-da-boca-rosada ou aruá-do-mato. Como é possível distinguir as duas espécies?
Silvana: O Megalobulimus sp é uma espécie da nossa fauna e se parece com o Achatina fulica por seu tamanho. Porém, ele coloca apenas dois ovos em cada ciclo reprodutivo. Como o molusco nativo do Brasil se reproduz pouco, é importante poder distinguir a diferença entre os dois para que a espécie brasileira não seja prejudicada. A concha de Achatina fulica tem mais giros e é mais alongada. Já a concha do Megalobulimus sp é mais bojuda, gorda, tem menos giros e sua abertura é espessa, não cortante.
Como o IOC contribui para o conhecimento sobre o caramujo africano?
Silvana: Nós analisamos caramujos enviados por secretarias de Saúde de todo o Brasil e avaliamos a possível presença de parasitos causadores de doenças. Esta atividade de vigilância epidemiológica é fundamental para monitorar de que forma os caramujos africanos podem oferecer risco à população. Já encontramos larvas de parasitos de aves ou outros animais domésticos, que não têm interesse humano. No entanto, este fato aponta que a população de caramujo africano já está inserida nas áreas onde ocorrem ciclos de parasitos. Esta é a maior preocupação dos pesquisadores, já que, pela proximidade com residências, ele pode vir a se infectar com outras formas e se tornar hospedeiro intermediário de doenças humanas. Também atuamos no treinamento e capacitação de técnicos das áreas de saúde e ambiente sobre o tema.
Quais são as perspectivas para o controle natural dessas populações pelas próprias condições do meio ambiente?
Silvana: Na África, ambiente de origem do caramujo gigante, existem patógenos, como, por exemplo, bactérias, fungos e parasitos, que fazem o controle natural dessa população. No Brasil, onde o caramujo gigante não é nativo, os estudos ecológicos sobre a espécie ainda são incipientes e as perspectivas que temos são baseadas em experiências de outros países, como os Estados Unidos e a Índia. Em algumas regiões da Índia, onde a introdução já ocorreu há mais de 100 anos, não foi observado declínio nas populações desses moluscos.
Já no Havaí a grande explosão do caramujo africano ocorreu poucos anos depois de sua introdução, na década de 30, quando foi introduzido. Hoje, embora não tenham sido eliminados no país, em função de fatores ainda não totalmente conhecidos, já não se encontram mais exemplares grandes como os encontrados aqui e a população diminuiu bastante, estabilizando-se em níveis toleráveis. Esperamos que o que houve no Havaí ocorra no Brasil, mas o fundamental é promovermos o controle pela ação da própria população, por meio da catação e da eliminação dos exemplares, seguindo as recomendações que já mencionamos.


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PS: Alerta ao Povo do Santo!
Todos sabemos que esses bichinhos fazem parte dos rituais dos terreiros, são criados e convivem conosco. Vale a pena tomar cuidado com esses aqui descritos. Como não sabemos diferenciar os caramujos brasileiro e africano, melhor levar para os terreiros apenas os brancos, ok? Ninguém quer ter entre seus filhos casos de meningite, certo?

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