Noticia do diário britânico The Guardian, mencionada por este jornal (28/1), traz informações muito inquietantes: o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que nos últimos anos se empenhara em conseguir um acordo mundial na área de mudanças climáticas, “está encerrando seu envolvimento nas negociações internacionais” nessa direção; pretenderia redirecionar seu discurso para uma agenda que promova a energia limpa e o desenvolvimento sustentável. Decepcionado com os resultados das reuniões do clima em Copenhague (2009) e Cancún (2010), já reduziu sua equipe nessa área, de 12 para 5 pessoas, e aumentou para 12 pessoas a equipe voltada para desenvolvimento sustentável.
Segundo Robert Orr, secretário-assistente da ONU para planejamento estratégico e conselheiro de Ban Ki-moon, “é bem evidente que não haverá acordo sobre o clima a curto prazo”. Por isso mesmo, diz ele, o secretário-geral não se envolverá a fundo na próxima reunião a esse respeito, no fim do ano, na África do Sul.
Isso acontece no momento em que a ONU e o mundo centram as atenções e esperanças na Rio +20, a reunião que, em maio/junho do ano que vem, fará um balanço do que aconteceu na Rio 92 e tentará avançar. Naquele ano, conseguiram-se progressos que pareciam extraordinários: uma convenção sobre clima, que estabeleceu metas para a redução de emissões de gases poluentes dos países industrializados; outra sobre diversidade biológica; uma declaração sobre florestas (na época, desmatavam-nas perto de 15 milhões de hectares por ano); e uma Agenda 21 mundial, pela qual os países industrializados se comprometiam a aumentar de 0,36% para 0,70% de seu produto bruto anual a ajuda para os países mais pobres resolverem os problemas mais agudos de saneamento, saúde, fome, etc.
Passados quase 20 anos, as metas de redução de emissões ainda não foram cumpridas e elas continuam aumentando. Há poucos meses, em Nagoya, chegou-se a uma declaração que reconhece a necessidade de ampliar as áreas de proteção e a soberania de cada país sobre as espécies da biodiversidade em seu território, bem como a necessidade de compartilhar resultados em caso de exploração – mas ainda faltam regras práticas para esse compartilhamento. O desmatamento no mundo caiu para cerca de 7 milhões de hectares anuais, mas ainda é muito alto. Os países ricos não aumentaram sua contribuição e, diz a ONU, o mundo continua com 925 milhões de pessoas passando fome, porque têm renda diária inferior a US$ 1,25 (pouco mais de R$ 2). Poderão vir a ser mais pessoas, porque já nos aproximamos de 7 bilhões no planeta e chegaremos, em meados deste século, a pelo menos 8,5 bilhões.
Significaria a decisão de Ban Ki-moon uma descrença na possibilidade de se chegar um modelo de “governança global” na área do clima – e talvez em outras, como a do consumo de recursos naturais além da capacidade de reposição do planeta? Seja como for, é uma decisão que aponta com clareza para a crise do nosso “padrão civilizatório”.
Mas como alcançar a governança global, se os conflitos continuam regidos por questões étnicas e religiosas (islamismo, budismo, judaísmo, catolicismo, protestantismo, etc.)? Se a África continua a ser um caldeirão de conflitos, com suas centenas de etnias divididas pelos interesses dos que as colonizaram e disputando em guerras os recursos naturais? Se no País Basco e na Irlanda, entre outros, não se superam conflitos secessionistas? Como reduzir emissões de poluentes, se a China quer urbanizar centenas de milhões de pessoas e o carvão (altamente poluidor) ainda é a principal fonte de energia para elas? Se a Índia ainda tem 400 milhões de pessoas sem energia e também precisa do carvão? Como avançar se, na hora das decisões, cada país, cada empresa, cada indivíduo pensa prioritariamente em sua competitividade, sua sobrevivência, seus recursos financeiros – e acaba sempre prevalecendo a lógica financeira? Não é esse, por exemplo, o caso da Usina de Belo Monte, que nos últimos dias povoou as páginas dos jornais, com uma decisão que se opõe à boa lógica e ao bom senso (ver editorial deste jornal, 31/1, A3)?
Há pouco, a revista New Scientist divulgou estudo da Universidade de Cambridge mostrando que o consumo mundial de energia pode ser reduzido em 70% “com medidas simples e tecnologias existentes”, seja na área de veículos (que não deveriam pesar mais de 300 quilos), seja na construção de edifícios (iluminação natural, redução da calefação), seja na área de eletrodomésticos (lavadoras de roupas e louças; ou simplesmente tapando panelas). Mas já há uns 15 anos não estava disponível a tecnologia de automóveis híbridos, que as empresas montadoras se recusaram a adotar porque reduziria seu lucro de US$ 15 mil por unidade nas supercamionetas para US$ 1 mil nos carros econômicos?
Quem encontrará o caminho para superar as lógicas financeiras? Como se enfrentarão as brutais desigualdades de renda no mundo e em cada país (inclusive no nosso)? O presidente francês, Nicolas Sarkozy, está de volta com a proposta de criar uma taxa sobre todas as transações financeiras internacionais destinada a criar um fundo contra a miséria – tese do economista James Tobin, que correu o mundo na década de 1990, mas não conseguiu avançar.
No livro Da Pobreza ao Poder (Cortez Editora), Duncan Green diz que o século 21 será caracterizado por mudanças no equilíbrio de poder entre nações e pela lenta queda das potências pós-2.ª Guerra Mundial, além da “ascensão inexorável de novas potências como a China e a Índia” e “do papel ampliado de blocos regionais e sub-regionais”. Mas também pelo “colapso de países pobres à margem dessas mudanças tectônicas”. Pergunta ele se a ONU “atingirá a maioridade com algo parecido com uma forma de governo global”. Mas acaba dizendo: “Darwin ou Gandhi, não sabemos ainda quem prevalecerá”.
Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
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