quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Fórum Social Mundial depois de Dakar: entre a necessidade e a realidade

Esther Vivas é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais de la Universitat Pompeu Fabra en Barcelona, ativista e co-autora de livros como Del campo al plato (Icaria editorial, 2009) o Supermercados, no gracias (Icaria editorial, 2007), entre outros.
O Fórum Social Mundial (FSM) concluiu sua última edição em Dakar (Senegal). Em torno de 75 mil pessoas, uma cifra muito importante, de organizações e movimentos sociais de todo o planeta se fizeram presente, de 6 a 11 de fevereiro, em um processo/evento que se afirma de forma imprescindível nos marcos da atual crise sistêmica, como espaço de encontro e de articulação de redes, mas que mostra também seus limites e debilidades.
A presente edição do FSM aconteceu em um contexto inegável do caráter estrutural de aprofundamento da crise, depois que a última edição ocorreu em Belém (Brasil), em janeiro de 2009, meses depois do estouro da mesma. A atual conjuntura põe sobre a mesa a urgencia de espaços que permitam a coordenação de lutas, avançar em estratégias de ação em escala global e que vizualizem que outro mundo é tão necessário como possível.
O Fórum Social Mundial cumpriu com o objetivo de mostrar-se como uma vitrine, uma praça, das alternativas, um ponto de encontro de uma grande diversidade política e temática de coletivos, majoritariamente africanos e muitos europeus. A presença da América Latina e da Ásia, logicamente, foi mai fraca. E ofereceu um espaço indispensável para a urgente organização das resistencias coletivas que teve sua máxima visualização nas quase quarenta assembléias de convergencia de grupos, redes e coletivos que foram realizados, sobretudo , na multitudinária Assembléia de Movimentos Sociais, com mais de tres mil participantes, e que se converteu em uma das atividades centrais e mais vísiveis do Fórum.
Uma Assembléia que reafirmou seu compromisso de combate contra o capitalismo e que aprovou um calendário de mobilização com as datas centrais de 20 de março, como jornada internacional de solidaridade com as revoluções no mundo árabe, e o 12 de outubro, como día de ação global contra o capitalismo. Asim mesmo , a criação de espaços de trabalho e confluência antes e durante o FSM permitiram , também, o encontro, o debate e a coordenação de redes e organizações.
Em Dakar vimos desde grandes conferências e referencias do movimento altermundialista assim como pequenos painéis e lutas anônimas, todas elas imprescindíveis neste complexo combate por ‘outro mundo possível’. As pequenas manifestações e protestos improvisados que recorreram o campus da Universidade Cheikh Antha Diop, onde se celebrava o evento, colocaram a necessidade de vincular ação e reflexão. A chamada “aldeia dos movimentos sociais” com barracas de mulheres, campesinos, habitantes, produtores, migrantes, etc. foi o espaço que melhor funcionou com atividades, restaurantes pulares e assistentes ‘non stop’.
O FSM em Dakar foi, também, um passo adiante muito importante no que diz respeito a última edição do Fórum Social Mundial na África, em Nairobi, em janeiro de 2007. Se naquela , podemos afirmar, foi a edição mais controvertida do FSM com entradas a um preço inacessível para a população local, participação de multinacionais, etc., a edição senegalesa não repetiu estes erros e o perfil geral do Fórum foi combativo.
Asim mesmo, o processo até Dakar contou com o trabalho e o esforço que algumas redes, como o CADTM África, entre outras, realizaram para mobilizar os coletivos sociais de base da África Ocidental e da capital senegalesa. Neste sentido, se organizou uma caravana, nos dias que antecederam o evento, que recorrieu vários países da região dando a conhecer o processo e somando a novos participantes ao evento e se dinamizaram atividades ligadas ao FSM, como shows e outras, nos bairros periféricos e mais pobres de Dakar.
O Fórum Social Africano, por sua parte, a versão regional do Fórum Social Mundial e um ator importante na sua organização, conta com uma sobre representação de ONGs do continente em detrimento de redes e movimentos sociais, muito fracas na região, o que explicaría, em parte, que estes tiveram uma menor presença em Dakar.
Uma situação que se repete no Conselho Internacional, organismo de direção do FSM, com um desequilíbrio importante entre ONGs e redes sociais, que nos últimos anos diminuiu seu seu perfil e presença no Conselho e consequentemente sua influêcia. Se consideramos que o Fórum Social Mundial será útil sempre e quando sirva aos interesses destes movimentos e aos processos de transformação sócio-políticos, sua perda de peso devería ser um elemento a se ter muito em conta.
A nivel organizativo, a presente edição mostrou debilidades importantes. Começando pelo caos organizativo que se viveu na primera jornada do FSM, em que as atividades previstas não contavam como inscritas e se desconhecia onde estavam sendo realizadas as mesmas, problema que prosseguiu, ainda que em menor medida, durante todo o evento, passando pela falta de um programa facilmente acessível com as atividades diárias até o preço da comida, muito superior aos estabelecimentos locais, e que despertou fortes críticas, sobretudo, entre os participantes africanos.
Segundo explicação dos organizadores, o caos inicial aconteceu porque o Governo substituiu o reitor com o qual haviam sido estabelecidos os acordos de concessão de aulas e o novo não reconheceu os mesmos, não deixou os espaços nem suspendeu as aulas, como havia sido acordado. Em consequencia as organizações que tinham previstas atividades tiveram que alugar alquilar ou novos espaços na cidade ou ocupar barracas ou salas vazias da Universidade.
Deste modo, o FSM foi realizado em uma universidad repleta de estudantes que inicialmente olhavam com receio os altermundialistas que ocupavam seu recinto, já que ninguém os havia informado do encontro. Ainda que finalmente vários destes mesmos estudantes se somaram ao Fórum e inclusive alguns, como o chamado movimento de estudantes “não orientados”/1, segregados por suas orígens humildes e que lutam por acesso a uma universidade teoricamente pública mas na prática não acesível a todo mundo, se somaram ao evento com seu protesto.
No político é necessário assinalar o boicote sistemático às atividades do povo saharaui realizado por uma parte da delegação marroquina, financiada diretamente pelo governo do Marrocos, e integrada, como denunciaram membros do CADTM e da ATTAC Marrocos, por pessoas que não teriam nada que ver com coletivos e movimentos sociais. Agressões, insultos e boicote aos seminarios e intervenções dos participantes saharauis foram a estratégia seguida. Vários assistentes ao FSM denunciaram os fatos e organizaram uma manifestação improvisada no campus da universidade, onde participaram vários membros do CADTM e da ATTAC Marrocos que denunciaram a má imagem que estas práticas estavam deixando naqueles participantes e organizações sociais marroquís que nada tinham que ver com estes fatos. Frente a estes sucessos, um posicionamiento rotundo do Comitê Organizador do FSM se fazia mais que necesario.
Outra debilidade política a destacar foi que apesar de que as reoltas sociais na Tunísia e Egipto tivissem uma presença transversal e estiveram muito presentes no “que fazer” cotidiano dos ativistas aguardando a queda ou não de Mubarak, estes processos revolucionarios no norte de África não tiveram uma centralidade política a altura do que significam tanto para o continente como a nivel mundial. As lições do levante do povo tunisiano e egipicio deveriam ter sido o leitmotiv deste Fórum Social Mundial.
Mas em geral, os limítes do FSM são também os limítes do período, de dificultade para transcender os núcleos ativistas e chegar a novos setores sociais. O Fórum passou praticamente imperceptível na cdade de Dakar.
A nivel internacional, a falta de uma dinâmica de mobilização que empurre é uma das grandes debilidades que enfrenta o processo do FSM, ao erigir-se como um espaço de referência, plural e diverso, em um contexto em que não se realizam protestos de referência coordenados em escala global.Com o qual, falta de pressão desde baixo, desde a ação, poderia escorar o Fórum em posições mais institucionalistas.
O Fórum não tem já a centralidade que teve no começo, na fase de ascensão do movimento altermundialista, ainda que sua existencia é importante como marco geral de trabalho e encontro, sempre e quando se mantenha em sintonía com as lutas sociais.
Outros debates e contradições enfrentam o Fórum Social Mundial: Como integrar e/ou visualizar os processos de resistência em escala local com um encontro com as características do FSM? Como manter este espaço como uma referência útil para a transformação política e social em um contexto no qual faltam vitórias concretas? É que o caminho entre a necessidade e realidade é ainda muito grande.
O Fórum Social Mundial se situa em um frágil equilibrio entre o global e o local, entre ONGs e movimentos sociais, entre institucionalização y autogestão, etc. Se trata de uma tensão constante. Nairobi, em 2007, nos mostrou a pior face do FSM; Mumbai, em 2004, uma das melhores. A chave não esquecer a quem e para que serve o Fórum Social Mundial: um contraponto, que deveria ser, infranqueavelmente ao capitalismo global.
1/ No Senegal ‘não orientado’ significa que a universidade não te dá inscrição de acesso, apesar de haver passado nas provas de ingresso.
Tradução português: Paulo Marques*
Esther Vivas participante do Foro Social Mundial 2011 em Dakar.
+info: http://esthervivas.wordpress.com/portugues/
*Paulo Marques é integrante do coletivo Brasil Autogestinário
+ info: www.brasilautogestionario.org
** Esther Vivas é colaboradora e articulista internacional do Portal EcoDebate.

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