É comum se fazerem aos psiquiatras perguntas do tipo “o que leva uma pessoa a matar” ou “porque alguém escolhe ser bandido”, atos anti-sociais que chocam as pessoas. Meu trabalho cotidiano é avaliar comportamentos e personalidades, o que tem me mostrado o valor de um velho aforisma da Medicina, segundo o qual “cada caso é um caso”. Muita gente aprecia teorias generalizadoras, aquelas que se aplicam a todos os casos, o que torna difícil explicar que não é porque duas pessoas cometeram atos violentos, que as duas tenham agido pelos mesmos motivos, sejam estes conscientes ou inconscientes.
Um dos fatores relevantes é a história de vida da pessoa, que costuma trazer luzes sobre suas emoções e formas de pensar e agir. Mas, mesmo assim, há motivos que podem seguir obscuros, por mais esforços que se façam para desvendá-los. Mas isso não acontece só com quem é encaminhado para uma avaliação psiquiátrica, há motivos difíceis de entender em condutas nas mais variadas situações sociais.
Imagine, por um instante, que você fosse presidente do Egito e uma multidão de um milhão de pessoas exigisse a sua renúncia, o que você faria ? Não é fácil reunir um milhão de pessoas, você sabe disso. O Roberto Carlos já disse que queria ter “um milhão de amigos” e nesse caso seriam um milhão de pessoas reunidas em torno de você, mas não de amigos. Não pareceria mais lógico simplesmente negociar com a oposição, buscar uma “saída honrosa” e renunciar, sabendo que você não está agradando ?
Do ponto de vista prático, levaríamos em conta as implicações financeiras, mas não parece ser o caso. O ditador egípcio teria uma fortuna no exterior e já enviou toda a sua família para viver em Londres, confortavelmente. O que o mantém apegado ao poder, em um país que visivelmente não o tolera mais, a ponto do próprio Exército evitar tomar o partido dele ?
Não parece haver outra explicação racional a não ser a do apego à situação conhecida (o poder, no qual está há três décadas), mesmo com risco de vida ao permanecer lá, tão hostilizado e sem apoios leais. A vida dele, evidentemente, é muito diferente das nossas, mas o que sua conduta quase inexplicável tem de útil para nós é uma reflexão sobre a questão do apego. Mesmo sem situações de vida tão extremas como as dele (ou num país com costumes tão diferentes do nosso como o Egito), também temos em nossas vidas, em algum momento, o enfrentamento com a questão do apego.
Ninguém passa por essa vida sem alguma escolha que implique em se desapegar de algo, de alguém, ou de uma situação. O que casos extremos podem nos mostrar, e nos servir, é que o apego pode vir a se tornar, em si mesmo, um vício – como uma droga – quando não há mais motivos racionais que o sustentem.
Montserrat Martins, colunista do Ecodebate, é Psiquiatra.
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