quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Pierre Verger x Joana Elbein



             A aula de Sistemas Religiosos do 3º ano na FTU nos trouxe mais uma grande surpresa. 
            A leitura de dois textos propostos pelo Prof. Olavo (Ygbere) foi difícil.
            Página após página, dúvidas surgiam. 
            Os dois autores, Pierre Verger e Juana Elbein, são respeitadíssimos em seus meios. Ambos constituem leitura obrigatória para quem se propõe a compreender as Religiões Afro-Brasileiras, e são de fundamental importância para quem deseja ser um Teólogo Umbandista.
            Pierre Verger, um jovem abastado francês que resolve viver fotografando a cultura africana, e que fica famoso com isso, vem para o Brasil, e se aproxima das Religiões Afro-Brasileiras, passando a escrever sobre elas. Chega a visitar a África algumas vezes, onde recebe o título de Fatumbi, e a outorga de Babalawô.
            Juana Elbein, antropóloga, iniciada no Santo e esposa de um Babaogê famoso na Bahia, defende seu doutorado em Sorbone/França com a tese Os Nagô e a Morte, e que posteriormente vira um dos livros mais lidos pelos adeptos das Religiões Afro-Brasileiras.
            O primeiro texto, escrito por Pierre Verger, é uma crítica ao livro Os Nagô e a Morte, escrito por Juana Elbein. Neste texto ele a acusa formalmente de construir um sistema teogônico sofisticado, estruturado, embelezado, dualista.  Chama atenção para obras que deram origem a erros crassos de interpretação da cultura africana, e como estas obras foram sendo assimiladas e reproduzidas por outros autores, até chegarem aos dias atuais.  Erros conceituais, e até de simples tradução ou entonação vocal originaram, segundo ele, erros irreparáveis. E para os pesquisadores menos preparados, ou menos sérios, estes conceitos foram fatais. Enfim, Verger coloca dúvidas razoáveis na obra de Juana Elbein. Questiona sua idoneidade e sua reputação como Antropóloga.
            O segundo texto foi escrito por Juana Elbein, como direito de resposta dado pela mesma revista que publicou o texto de Verger. Neste texto, Juana fala do conceito “desde dentro”, como uma iniciada e verdadeiramente envolvida com o Santo, chamando a atenção para o fato de que, embora Verger tenha o título de Babalawô, jamais teve terreiro. Segundo ela, sua experiência de anos vividos em dois terreiros famosos da Bahia, mais a sua convivência conjugal com seu Pai de Santo, capacitam-na para escrever sobre tudo que viu e ouviu. Ela chama isto de Antropologia Iniciática.
Acusa Verger de buscar o exotismo, a beleza e o bom primitivo, desprezando a capacidade do povo africano em construir uma teogonia tão complexa e paradigmática. Questiona ela os conceitos expostos no conhecimento acadêmico. Questiona também a capacidade de Verger em interpretar os valores dos povos africanos. Acusa-o de falta de probidade, de ter limitações metodológicas, e de produzir conceitos esvaziados de conteúdos filosóficos.
Segundo ela, Verger insiste em manter a cultura africana no primitivismo, num estágio inferior, fácil de ser manipulada e dominada. Mais um discurso colonialista europeu. Tenta desvalorizar a tradição oral, fonte primordial do conhecimento das Religiões Afro-Brasileiras, e procura desacreditar a sagrada relação mestre-discípulo, que caracteriza o caminho da Iniciação dos terreiros.
Em sua visão racista, mantém a visão folclorizante do outro, que se deseja dominar, procurando alienar e cooptar.
O discurso de Pureza esconde o vil preconceito. Pretendendo proteger os incapazes, procura manter o monopólio da Verdade, e reage à mínima contrariedade, quando vê seu Poder ameaçado.
Juana mostra-se coerente, consciente de seu papel. Verger, ao contrário, mostra-se arrogante e superior.
Ficam bem claros os conflitos de gênero entre Verger e Joana. Mas, acima de tudo, fica evidente a questão de hierarquia. Como pode uma iniciada sobrepor a opinião de um Babalawô? Verger não suportou, por certo, as duas coisas ao mesmo tempo. Perda de prestígio, humilhação e medo do ostracismo, teria sido isso que pensou Verger para compilar seu texto?
É inegável o valor de Verger, ele é referência em todos os textos escritos sobre o Povo de Santo. Mas, é inegável que este texto deixou bem claro que a tolerância com as diferenças não era uma qualidade dele.
Em minha pouca experiência, achei fabuloso poder encontrar textos tão bem escritos, e capazes de manter minha atenção por tão longo tempo. 

Ver também:
https://drive.google.com/file/d/0B0QWMww0gZVYMmFZemViU3p0d3M/view

4 comentários:

Ygbere - Abaara disse...

Muito bom inserir este texto em seu blog, o convívio com o outro se estabelece no diálogo e a discussão profícua nos leva aprimorar o respeito que devemos ter com todas as crenças...

Obaositala disse...

Prof. Ygbere, é uma honra ter um comentário seu aqui neste blog. Acredito no respeito às diferenças, conceito aprendido e experimentado diariamente na FTU e na OICD. E foram aulas maravilhosas como as suas que contruíram esta teóloga aqui. Muito obrigada por tudo!

Anônimo disse...

A melhor forma de descaracterizar uma crítica é acusando-a de 'arrogante'. Assim, se desvia o foco do assunto tratado e se concentra o debate na forma e na personalidade de quem a profere.

Li, há pouco parte de Os nago e a morte e encontrei, como Verger, muitas coisas questionáveis. Mas quem sou eu, pra desmentir qualquer coisa!

Ela dá como fato, algumas visões que podem estar erradas, por exemplo, como a feminidade de Oduduwa, e traça um dualismo, construído a partir da interação macho-fêmea, que sem ser totalmente alheio à cosmovisão yoruba (que se baseia no duplo), pode não ser o caso de Odua/Obatala.

Se nem mesmo os africanos conseguem chegar a um consenso sobre o gênero de Oduduwa, como a autora, que pode ser iniciada (eu também sou, justamente no orisa Odua, mais Obatala em Cuba), articula toda essa estrutura em que ela dá como conclusão que Odua, aliás, seria Iyanla de Iyaami, etc. etc. (não digo que não existam elementos que o sugiram de um modo ou de outro... mas pergunto, cadê a ‘literatura oral’ que o sustente?)

Se pelo menos ela tivesse estado nessas regiões onde o culto à Odúa 'fêmea' supostamente é forte e citasse versos de Ifá, oriki, cantos, onde se reconhece Odúa como oosa'bo e não oosa'ko, eu até concordaria plenamente (com uma visão que não me é totalmente alheia, mas que ainda assim questiono na base teológica e, sobretudo, prática, do culto...).

Verger esteve, incluso foi ao convento onde supostamente estavam o Obatala 'macho' e a Odua 'fêmea', no contraste branco/ preto. E quem viu? SANGO! Não Odua e 'descobriu', aliás, que em Porto Novo, Dudua é um apelativo de Obatala... que, por falar nisso, é visto como entidade 'feminina' em certas outras regiões da Nigéria, ‘casualmente’, naquelas onde Odúa também é fêmea e forma com ele/ela um par indivisível (sem negar que um dos seus apelidos mais comuns é Baba... mas acontece que nos cantos de Odúa, que a gente tem em Cuba, também o chamamos de 'Pai', não mãe... não há elementos EVIDENTES que confirmem essa visão feminina no relativamente extenso culto de Odua em Cuba).

Que eu saiba, no Brasil, o culto de Odua, é muito discreto e restrito a X momentos rituais. Em Cuba, cujos conceitos teológicos tampouco são perfeitos e às vezes deixam a desejar (se comparados com o Candomblé, que graças às obras antropológicas é melhor versado e teologia ancestral), onde Odúa é um orisa ‘mais cotidiano’, não há memória, de uma Odúa fêmea. Há memória de um Odua ‘quente’, guerreiro, confundido com o tempo, com a ‘mansidão’ de Obatala, pelas misturas e perdas de tradições.

A resposta da Juana, simplesmente é DEMAGÓGICA.

Saúde e Sorte,
Oduafunmi

Anônimo disse...

Saudações,

Sugestão de leitura complementar:


OS NAGO E A MORTE: UM ESTUDO DAS FONTES
https://drive.google.com/file/d/0B0QWMww0gZVYMmFZemViU3p0d3M/view?usp=sharing

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