Elaborei dois textos sucintos sobre a questão da violência exposta no Rio de Janeiro recentemente, a partir da minha visão como carioca e frequentador de diversas favelas com problemas sociais. As minhas análises estão aqui e aqui e não há porquê voltar a elas.
O que me espanta é o número de avaliações que recebe o texto – 114 comentários apenas no local original de publicação e outras centenas em sites onde houve publicação –, especialmente avaliações violentas, seguidas de xingamentos e até mesmo investigação sobre minha vida (meu nome completo, onde moro etc). Fiquem à vontade para “investigar”, mas vamos às ideias:
1) Creio, de fato, que fazer uma análise como a que fiz pede certa proximidade com comunidades que sofrem com a violência cotidiana. De fato, a tenho – por obrigação ou por interesse. Enquanto repórter de meios populares e democráticos, busco esta realidade e por vezes me deparo com ela ao ir para a casa de parentes ou amigos.
2) Opor “intelectuais” e “favelas”, como fizeram em pelo menos duas dezenas de comentários, apenas confirma o que escrevi: há uma virulenta violência de classe tanto nas ações quanto nas ideias que a seguem. Por que opor, afinal, entre moradores de comunidades não pode haver intelectualidade? Ou seja, pessoas que olham (um pouco) além do próprio umbigo e passam a interpretar a realidade em toda a sua complexidade? Seria o povo destituído de senso crítico?
3) A ideia de que as pessoas estavam sendo “oprimidas” pelo tráfico de drogas e que agora foram “libertadas” pode ser questionada, como também pode ser afirmada. O debate serve para isso. Na Revista Consciência.Net, por exemplo, até mesmo comentários anônimos com insultos levianos e sem qualquer contra-argumentação foram aprovados. Mas:
4) Eu me dou o direito de questioná-la, em nome da liberdade de expressão.
Entendo bem a opressão do tráfico, pois sou morador do Rio de Janeiro desde que nasci (há 28 anos), nascido e criado na Zona Norte, ex-morador de Vila Isabel e circulo muito como professor de comunicação e como repórter por diversas favelas. No entanto, os textos anteriores tratam especificamente desse assunto, a partir de uma outra visão mais ampla sobre como o problema pode ser resolvido sem necessariamente utilizarmos a violência estatal como norma. Achar que uma ação está acontecendo só porque é possível vê-la é ignorar meus argumentos sobre a ineficiência de ações similares no passado. Como jornalista, o que faço é ouvir argumentos e colocá-los lado a lado com os dados. Contudo, o fato de não ter tratado a fundo da opressão policial em si não diminui, na minha humilde opinião, os aspectos do qual tratei e que fazem parte do mesmo problema.
5) Em outro ponto, façamos a seguinte reflexão: de que modo a simples ofensa pessoal, sem qualquer contra-argumentação, ajuda em um debate para considerar soluções?
6) As primeiras denúncias publicadas na imprensa confirmam o que anunciei no primeiro artigo: “Setores mais violentos da Polícia Militar – a banda podre que não quer saber de papo de UPP – ganham carta branca, por conta do clima de medo, para fazer suas velhas e conhecidas “incursões” nas favelas, a política burra do confronto com o “crime organizado”, vitimando cidadãos inocentes e realizando execuções sumárias de suspeitos.” (25/11/2010)
Conforme relatos de mídia, perfil das vítimas das chamadas “balas perdidas” não é de supostos traficantes: são idosos, estudantes uniformizados, mulheres etc. Além disso, o jornal Correio Braziliensepublicou alguns vídeos com relatos e o número de denúncias fez até mesmo o Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, se pronunciar, afirmando que pedirá investigação dos casos de abusos. Relatos de moradores, que obtenho como jornalista a partir de emails de fontes, vão no mesmo caminho. (Assista aos vídeos aqui, aqui eaqui).
Segundo argumenta o deputado Marcelo Freixo – que, conforme tenho relatado, é um dos poucos que busca unir a dimensão da segurança pública com a dimensão dos direitos fundamentais –, “esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.”
Ele completa: “Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.” (disponível aqui)
Além disso, outros relatos de mídia já dão conta de que as milícias estão reagindo violentamente à mudança de base de alguns traficantes – como, aliás, já ocorrera há dois meses no Complexo de Água Santa, dominado por milicianos. E alguns ainda sugeriram para mim que “são coisas diferentes”. De fato: enquanto os negócios dos varejistas do tráfico só tem um produto a oferecer (drogas), os milicianos possuem toda uma cartela de opções (transporte público, gás, “segurança” etc).
7) Não há, nesta narrativa midiática, a correta dimensão do problema, que todos os conhecedores do tema não cansam de repetir: Onde estão os verdadeiros chefes do narcotráfico? São juízes, gestores públicos (alguns dentro da Secretaria de Segurança), deputados, empresários. Basta consultar os valores envolvidos ou as recentes intervenções da Polícia Federal. Não cabe aqui repetir este fato, de amplo conhecimento dos legalmente responsáveis pelo combate ao crime (entre eles o Senhor Beltrame).
8) Desta forma, pergunto novamente: Por que a crise nas zonas pobres da cidade se traduzem em uma incursão violenta e em outras regiões é executada dentro dos moldes da lei? Até mesmo a busca na casa da esposa do traficante Polegar, num condomínio luxuoso na Barra da Tijuca, demandou um mandado judicial. Enquanto isso, no outro canto da cidade, 2.700 policiais invadiam dezenas de residências da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, em alguns casos quebrando eletrodomésticos, extorquindo moradores e roubando dinheiro e outros objetos de valor. Por que?
Uma curiosidade: Na França, durante a passagem de ano de 2008 para 2009, mais de mil carros foram queimados em diversas periferias de grandes cidades. E nem por isso a polícia adota a política de confronto. A diferença é que, por aqui, a queima de carros serviu como um excelente pretexto para a incursão militar que o Governo parecia desejar. Com o notável apoio da mídia e da população assustada.
Aqui, conforme sugeri no título, fica claro que a violência da desigualdade social acaba por gerar a desigualdade da violência social: incursões militares violentas em zonas pobres da cidade e, do outro lado, mandado judicial para as zonas ricas. É um clássico da criminalização da pobreza. O que é mais surpreendente é que os primeiros comentários argumentavam que os moradores viviam próximos a traficantes por opção, e não por necessidade. Não consigo nem sequer analisar este tipo de argumento, pois precisaria da ajuda de psicanalistas.
9) “Utopia” – afirmam alguns sobre a necessidade de utilizar a inteligência para resolver as questões de segurança nas favelas mais violentas. Utopia, respondemos com base em experiências anteriores, é achar que episódios espetaculares vão resolver o problema estrutural da violência no Rio ou sequer vão mudar as regras do jogo. As coisas continuam como estão, pois não se resolvem problemas de nenhum sistema econômico complexo a partir da mudança do mercado varejista, onde se comercializam serviços ou vendem produtos em pequenas quantidades. A produção continua escoando e achando seus caminhos.
São questões, por exemplo, em aberto:
Oferecer dignidade e a “libertação” destes moradores – discurso idêntico ao que foi feito no Iraque após a invasão dos EUA em 2003 – passa, de fato, por vontade política e mobilização da sociedade. Mas a vontade tem de ser (também) por creches, hospitais, escolas públicas, infraestrutura e participação popular nos processos decisórios. E não por sede de sangue e retaliações, como muitos desejam.
O que me espanta é o número de avaliações que recebe o texto – 114 comentários apenas no local original de publicação e outras centenas em sites onde houve publicação –, especialmente avaliações violentas, seguidas de xingamentos e até mesmo investigação sobre minha vida (meu nome completo, onde moro etc). Fiquem à vontade para “investigar”, mas vamos às ideias:
1) Creio, de fato, que fazer uma análise como a que fiz pede certa proximidade com comunidades que sofrem com a violência cotidiana. De fato, a tenho – por obrigação ou por interesse. Enquanto repórter de meios populares e democráticos, busco esta realidade e por vezes me deparo com ela ao ir para a casa de parentes ou amigos.
2) Opor “intelectuais” e “favelas”, como fizeram em pelo menos duas dezenas de comentários, apenas confirma o que escrevi: há uma virulenta violência de classe tanto nas ações quanto nas ideias que a seguem. Por que opor, afinal, entre moradores de comunidades não pode haver intelectualidade? Ou seja, pessoas que olham (um pouco) além do próprio umbigo e passam a interpretar a realidade em toda a sua complexidade? Seria o povo destituído de senso crítico?
3) A ideia de que as pessoas estavam sendo “oprimidas” pelo tráfico de drogas e que agora foram “libertadas” pode ser questionada, como também pode ser afirmada. O debate serve para isso. Na Revista Consciência.Net, por exemplo, até mesmo comentários anônimos com insultos levianos e sem qualquer contra-argumentação foram aprovados. Mas:
4) Eu me dou o direito de questioná-la, em nome da liberdade de expressão.
Entendo bem a opressão do tráfico, pois sou morador do Rio de Janeiro desde que nasci (há 28 anos), nascido e criado na Zona Norte, ex-morador de Vila Isabel e circulo muito como professor de comunicação e como repórter por diversas favelas. No entanto, os textos anteriores tratam especificamente desse assunto, a partir de uma outra visão mais ampla sobre como o problema pode ser resolvido sem necessariamente utilizarmos a violência estatal como norma. Achar que uma ação está acontecendo só porque é possível vê-la é ignorar meus argumentos sobre a ineficiência de ações similares no passado. Como jornalista, o que faço é ouvir argumentos e colocá-los lado a lado com os dados. Contudo, o fato de não ter tratado a fundo da opressão policial em si não diminui, na minha humilde opinião, os aspectos do qual tratei e que fazem parte do mesmo problema.
5) Em outro ponto, façamos a seguinte reflexão: de que modo a simples ofensa pessoal, sem qualquer contra-argumentação, ajuda em um debate para considerar soluções?
6) As primeiras denúncias publicadas na imprensa confirmam o que anunciei no primeiro artigo: “Setores mais violentos da Polícia Militar – a banda podre que não quer saber de papo de UPP – ganham carta branca, por conta do clima de medo, para fazer suas velhas e conhecidas “incursões” nas favelas, a política burra do confronto com o “crime organizado”, vitimando cidadãos inocentes e realizando execuções sumárias de suspeitos.” (25/11/2010)
Conforme relatos de mídia, perfil das vítimas das chamadas “balas perdidas” não é de supostos traficantes: são idosos, estudantes uniformizados, mulheres etc. Além disso, o jornal Correio Braziliensepublicou alguns vídeos com relatos e o número de denúncias fez até mesmo o Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, se pronunciar, afirmando que pedirá investigação dos casos de abusos. Relatos de moradores, que obtenho como jornalista a partir de emails de fontes, vão no mesmo caminho. (Assista aos vídeos aqui, aqui eaqui).
Segundo argumenta o deputado Marcelo Freixo – que, conforme tenho relatado, é um dos poucos que busca unir a dimensão da segurança pública com a dimensão dos direitos fundamentais –, “esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.”
Ele completa: “Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.” (disponível aqui)
Além disso, outros relatos de mídia já dão conta de que as milícias estão reagindo violentamente à mudança de base de alguns traficantes – como, aliás, já ocorrera há dois meses no Complexo de Água Santa, dominado por milicianos. E alguns ainda sugeriram para mim que “são coisas diferentes”. De fato: enquanto os negócios dos varejistas do tráfico só tem um produto a oferecer (drogas), os milicianos possuem toda uma cartela de opções (transporte público, gás, “segurança” etc).
7) Não há, nesta narrativa midiática, a correta dimensão do problema, que todos os conhecedores do tema não cansam de repetir: Onde estão os verdadeiros chefes do narcotráfico? São juízes, gestores públicos (alguns dentro da Secretaria de Segurança), deputados, empresários. Basta consultar os valores envolvidos ou as recentes intervenções da Polícia Federal. Não cabe aqui repetir este fato, de amplo conhecimento dos legalmente responsáveis pelo combate ao crime (entre eles o Senhor Beltrame).
8) Desta forma, pergunto novamente: Por que a crise nas zonas pobres da cidade se traduzem em uma incursão violenta e em outras regiões é executada dentro dos moldes da lei? Até mesmo a busca na casa da esposa do traficante Polegar, num condomínio luxuoso na Barra da Tijuca, demandou um mandado judicial. Enquanto isso, no outro canto da cidade, 2.700 policiais invadiam dezenas de residências da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, em alguns casos quebrando eletrodomésticos, extorquindo moradores e roubando dinheiro e outros objetos de valor. Por que?
Uma curiosidade: Na França, durante a passagem de ano de 2008 para 2009, mais de mil carros foram queimados em diversas periferias de grandes cidades. E nem por isso a polícia adota a política de confronto. A diferença é que, por aqui, a queima de carros serviu como um excelente pretexto para a incursão militar que o Governo parecia desejar. Com o notável apoio da mídia e da população assustada.
Aqui, conforme sugeri no título, fica claro que a violência da desigualdade social acaba por gerar a desigualdade da violência social: incursões militares violentas em zonas pobres da cidade e, do outro lado, mandado judicial para as zonas ricas. É um clássico da criminalização da pobreza. O que é mais surpreendente é que os primeiros comentários argumentavam que os moradores viviam próximos a traficantes por opção, e não por necessidade. Não consigo nem sequer analisar este tipo de argumento, pois precisaria da ajuda de psicanalistas.
9) “Utopia” – afirmam alguns sobre a necessidade de utilizar a inteligência para resolver as questões de segurança nas favelas mais violentas. Utopia, respondemos com base em experiências anteriores, é achar que episódios espetaculares vão resolver o problema estrutural da violência no Rio ou sequer vão mudar as regras do jogo. As coisas continuam como estão, pois não se resolvem problemas de nenhum sistema econômico complexo a partir da mudança do mercado varejista, onde se comercializam serviços ou vendem produtos em pequenas quantidades. A produção continua escoando e achando seus caminhos.
São questões, por exemplo, em aberto:
(I) Se havia de fato 650 traficantes, onde estão? Qual o real poder destes fugitivos?
(II) Após a “conquista de território” da Vila Cruzeiro pelo BOPE (2008) ou da chacina no Complexo do Alemão (2007), por que o território foi perdido?
(III) Onde estão os corpos das pessoas mortas nos confrontos? Quem são?
10) Reitero a excelente definição do nosso enorme problema, a partir de uma exposição de Marcelo Freixo: “Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário…”Oferecer dignidade e a “libertação” destes moradores – discurso idêntico ao que foi feito no Iraque após a invasão dos EUA em 2003 – passa, de fato, por vontade política e mobilização da sociedade. Mas a vontade tem de ser (também) por creches, hospitais, escolas públicas, infraestrutura e participação popular nos processos decisórios. E não por sede de sangue e retaliações, como muitos desejam.
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