A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Sumário:
O Brasil que sai das urnas
- Ganhadores e perdedores
- Marina Silva. Onda verde ou onda conservadora?
- Para quem irão os votos de Marina?
- Um segundo turno politizado?
- Governos estaduais e Congresso. Balanço das forças políticas
Conjuntura da Semana em frases
- Ganhadores e perdedores
- Marina Silva. Onda verde ou onda conservadora?
- Para quem irão os votos de Marina?
- Um segundo turno politizado?
- Governos estaduais e Congresso. Balanço das forças políticas
Conjuntura da Semana em frases
Ganhadores e perdedores
Apesar da indefinição de quem será o próximo presidente da República, um primeiro balanço, mesmo que parcial, das eleições de 2010 já é possível. As análises em profusão do day after eleitoral indicam que o maior vitorioso das eleições 2010 sequer irá para o segundo turno, no caso, uma vitoriosa: Marina Silva. Entre os perdedores até o momento encontram-se Dilma Rousseff pela razão óbvia de não ter liquidado a fatura no primeiro turno, e José Serra – aparentemente vitorioso por ter ido segundo turno, mas ao mesmo tempo perdedor porque de nome competivivo da oposição dependeu de uma terceira candidatura para se viabilizar na continuidade da disputa.
No balanço de ganhadores e perdedores sob a perspectiva partidária, o maior derrotado é o DEM que diminuirá significativa sua presença no Congresso e o maior ganhador o PT considerando-se que terá a maior bancada na Câmara e um aumento significativo no Senado. PSDB e PMDB ao lado do PT, entretanto, permanecem como as principais forças políticas ainda mais quando se analisam os resultados das eleições para os governos estaduais.
Lula, até o momento é paradoxalmente perdedor e ganhador. Perdedor, por um lado, em função da estratégia de grande avalista de Dilma Rousseff. Toda a campanha de Dilma foi pendura nos feitos de Lula. O programa de governo de Dilma foi o ‘lulismo’. A não eleição do sucessor, no caso uma sucessora, no primeiro turno como muitos aguardavam é uma derrota pessoal de Lula.
Por outro lado, Lula é vitorioso considerando que a sua aposta pessoal se transformou em uma candidatura competitiva. Ainda mais: é incontestável que Lula conseguiu algo pouco comum no mundo da política que é a transferência de votos e essa transferência não se reduziu à candidatura à presidência, mas se estendeu a dezenas de candidatos aos governos estaduais e senadores. Particularmente no Nordeste, a participação de Lula foi devastadora para a oposição.
Marina Silva. Onda Verde ou onda conservadora?
A grande supresa das eleições é Marina Silva. Arrancou de um patamar de 10% para 20% e se tornou peça chave no quebra cabeça do segundo turno. Trata-se, sobretudo de uma vitória pessoal e não do partido. A surpreendente votação de Marina tem galvanizado as análises interpretativas. Houve mesmo uma onda verde? De onde vem o voto de Marina? É um voto progressista ou conservador? Para onde irão os seus votos? São algumas das muitas questões que emergiram logo após a abertura das urnas.
Aos poucos, as análises dão conta que o maior contigente de votos de Marina vieram por um lado da classe média e, por outro, de eleitores de periferias de grandes centros urbanos ligado a valores morais e religiosos. O voto urbano da classe média dado à Marina Silva – a candidata do PV teve votações expressivas em várias capitais – teria duas características: Por um lado, recebeu o voto de setores da classe média sensível a agenda ambiental. Por outro, setores da mesma classe média teriam sido seduzidos pelo discurso da candidata que se apresentou como terceira via e síntese do PT-PSDB. Esse discurso agradou setores da classe média por natureza antipolítica.
Marina teria sido ainda beneficiada pela campanha anti-Dilma. Lideranças católicas e evangélicas comandaram pregação do voto anti-Dilma na internet e em homilias, cultos e ações sociais das igrejas em várias regiões metropolitanas, principalmente em comunidades carentes. Em áreas em que foram detectados movimentos como esses, Marina teria sido beneficiada com votações acima da sua média nacional.
A votação em Marina tem recebido muitas interpretações. Uma leitura mais rigorosa ainda será feita com o exame minuncioso da estratificação social do voto – geográfica, de renda e religiosa. Trata-se de um voto ‘complexo’ como alguns vêm definindo.
Para o sociólogo Ruda Ricci, entrevistado pelo IHU, “Marina aparece com uma força política enorme pelo voto dos evangélicos, dos jovens e das mulheres indecisas que votaram nela no final. Essa é a grande novidade que não esperávamos nem de longe”, diz ele. “Para se ter uma ideia da força de Marina – destaca Rudá Ricci – em Belo Horizonte, a Marina venceu a Dilma e o Serra. Ela fez 41% dos votos”.
O assessor das pastorais e movimentos sociais Ivo Poletto, interpreta positivamente o resultado que coloca Marina em evidência, principalmente em função da contribuição política que apresenta a partir da agenda ambiental . Diz ele: “Trabalho no Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, que articula uma série de entidades e pastorais. Nós sentimos que, no governo atual, e também na perspectiva do governo Dilma, essa dimensão de sustentabilidade, responsabilidade humana, mundial e planetária em relação às mudanças que devem ser feitas no tipo de economia que implementamos no Brasil, não está presente na perspectiva do projeto governamental apresentado pelo PT”.
Ivo Poletto comenta que “há muita gente nos movimentos sociais que questiona todo o encantamento em relação ao pré-sal, a loucura de querer continuar gerar energia elétrica fazendo grandes barragens na Amazônia, à transposição teimosa do São Francisco”. Segundo ele, “os movimentos e pastorais sociais têm a ver, inclusive, com o crescimento de Marina para que houvesse um segundo turno e aí, quem sabe, criar uma possibilidade de um diálogo político mais profundo em relação às opções que devemos fazer nesse período”.
“Não dá mais para ficar repetindo as mesmas coisas”, diz Poletto criticando o discurso economicista de Dilma e Serra. “Se a economia tem que crescer, se é preciso gerar empregos a partir de um aumento da capacidade dos ricos de investir, se é preciso manter o Brasil aberto aos dólares externos, então qual é a diferença entre Serra e Dilma?”, pergunta ele. O assessor das pastorias comenta que “as diferenças [entre Serra e Dilma] não estão tão evidentes assim” e destaca: “É bom lembrar o tema da próxima Campanha da Fraternidade, da Igreja Católica, que é A vida no planeta, cujo lema é A Criação geme em dores de parto. Isso quer dizer que, se qualquer um dos dois candidatos eleitos continuar com uma economia agressiva em nome de um progresso que nunca se socializa e só se concentra nas mãos de poucos, vai haver debate da parte da sociedade, e as igrejas irão questionar”.
A leitura positiva dos ‘votos verdes’ de Marina não é acompanhada por outras análises. A professora de comunicação da UFRJ, Ivana Bentes afirma que assiste-se a “uma espécie de emergência de um novo centro do Partido Verde, que já está presente em todo o mundo, que se alia a todo um pensamento liberal que tira da pauta a distribuição de renda, pobreza, precarização do trabalho em nome do discurso ecológico ‘zen-empresarial’ que me parece bastante redutor em termos do entendimento de uma série de questões”.
Segundo ela, “a pauta ecológica, então, aparece, mas de forma diluída e ligada a uma série de crenças liberais indicando o surgimento no Brasil de um partido de centro que não é uma esquerda comprometida com certas questões, como a pobreza, mas ainda com um discurso meio frouxo em relação ao ecologismo zen e inofensivo pela falta de aprofundamento desse debate”.
Essa caracterização do “voto verde” em Marina é partilhada por Vladimir Safatle, professor no departamento de filosofia da USP. Segundo ele, “com o programa econômico mais liberal entre todos, o PV apresentou o novo centro, com roupagem moderna”, diz.
Safatle articula a agenda ecológica com o mundo financeiro e se vale para isso do filme Wall Street de Oliver Stone. O filme, diz o filósofo, “conta a história da crise financeira de 2008 tendo como personagem central um jovem especulador financeiro que parece ter algo semelhante ao que um dia se chamou pudor. Sua grande preocupação é capitalizar uma empresa, que visa produzir energia ecologicamente limpa, dirigida por um professor de cabelos brancos e ar sábio. O jovem especulador é, muitas vezes, visto pelos seus pares como idealista. No entanto, ele sabe melhor que ninguém que, depois do estouro da bolha financeira, os mercados irão em direção à bolha verde. Mais do que idealista, ele sabe, antes dos outros, para onde o dinheiro corre. Enfim, seu pudor não precisa entrar em contradição com sua ganância”.
Neste sentido, diz Vladimir Safatle, “Wall Street foi feliz em descrever esta nova rearticulação entre agenda ecológica e mundo financeiro. Ela talvez nos explique um fenômeno político mundial que apareceu com toda força no Brasil: a transformação dos partidos verdes em novos partidos de centro e o abandono de suas antigas pautas de esquerda”.
Na opinião do professor da USP, “no Brasil, vimos a candidatura de Marina Silva impor-se como terceira via na política. Ela foi capaz de pegar um partido composto por personalidades do calibre de Zequinha Sarney e fazer acreditar que, com eles, um novo modo de fazer política está em vias de aparecer. Cobrando os outros candidatos por não ter um programa, ela conseguiu esconder que, de todos, seu programa era o economicamente mais liberal. O que não devia nos surpreender. Afinal, os verdes conservaram o que talvez havia de pior em maio de 68: um antiestatismo muitas vezes simplista enunciado em nome da crença na espontaneidade da sociedade civil”, diz ele criticamente.
Vladimir Safatle conclui: “Não é de se estranhar que este libertarianismo encontre, 40 anos depois, o liberalismo puro e duro. De fato, a ocupação do centro pelos verdes tem tudo para ficar. Ela vem a calhar para um eleitorado que um dia votou na esquerda, mas que gostaria de um discurso mais “moderno”. Um discurso menos centrado em conflitos de classe, problemas de redistribuição, precarização do trabalho e mais centrado em ‘nova aliança’, ‘visão integrada’ e outros termos que parecem saídos de um manual de administrador de empresas zen. Alguns anos serão necessários para que a nova aliança se mostre como mais uma bolha”.
Os votos em Marina, portanto, alimentaram-se por um lado de uma onda verde, interpretado por alguns como algo positivo na sociedade brasileira uma vez que critica o modelo neo-desenvolvimentista que dá as costas para a problemática ambiental. Nessa perspectiva esse voto é visto como progressista e politizado. Outros, como vimos, consideram o “voto verde” como um voto conservador e até mesmo despolitizado. Talvez haja um pouco dos dois elementos nos votos dados a Marina com essa caracterização. Por um lado, recebeu votos dos que a vêem como portadora de uma agenda nova que procura dar respostas à crise ecológica, por outro, daqueles que votam embalados pelo discurso do bussines ecológico patrocinado pelo capital.
Além dessa dupla caracterização do “voto verde” que teria recebido, Marina recebeu milhares de votos daqueles que a identificaram contra o aborto e contra a união matrimonial de homossexuais. Esse voto, em muitos casos, era anteriormente de Dilma e se deslocou para Marina.
Há, porém, para além do ‘voto verde’ e do ‘voto religioso’ em Marina, o voto daqueles que descontentes com PT e PSDB, ou rejeitando Dilma e Serra, votaram em Marina Silva. É preciso ter presente aqui o caso Erenice Guerra. Esse escândalo teria contribuido para o esvaziamento do debate político, na medida em que amplificado pela grande imprensa direcionou o debate para uma agenda udenista.
Por outro lado, o PT e o PSDB não privilegiaram o debate político. Os dois principais partidos sequer apresentaram na íntegra os seus programas – projetos – para o país. O PT apostou todas as sua fichas nas conquistas e avanços do governo Lula, prometendo que Dilma seria a fase 2 do governo Lula. Serra, por sua vez, correu atrás da agenda neo-desenvolvimentista do PT, prometendo que fará ainda melhor. O debate por demais gerencista e tecnicista estaria na base de parcela dos votos que também teriam migrado para Marina.
De qualquer forma, a interpretação do voto à Marina não é simples. Como diz Emir Sader, “a leitura desse eleitorado é complexa, nem de longe se trata de onda ecológica no Brasil – as outras votações dos verdes foram inexpressivas. Juntaram-se varias coisas, desde votos verdes, esquerda light, até votos anti-Dilma, votos desencantados com o Serra, entre outros. Mas o montante alto requer uma análise mais precisa”, comenta.
Na opinião jornalista Luiz Carlos Azenha, a onda verde, “não se deve apenas à sórdida campanha movida por religiosos católicos e evangélicos contra a candidata governista. Isso jamais renderia a Marina Silva mais de 18 milhões de votos!” diz o jornalista. Segundo ele, “por dados anedóticos, colhidos aqui e ali, é possível notar que Marina respondeu a uma aspiração dos jovens, que se mostraram fartos com a polarização PT/PSDB. Se assim for, a proposta do presidente Lula de promover a campanha em seus termos, ou seja, num confronto bipolar, fracassou nas urnas neste domingo”, diz. Na opinião do jornalista, “Marina Silva se projetou justamente nesse buraco negro da falta de politização”.
A ausência do debate político é compartilhada por Ivo Poletto: “No meu ponto de vista, acho que o mais emblemático foi a falta de um diálogo mais profundo no debate político. Vamos pura e simplesmente continuar a fazer o que estava sendo feito até agora? Não dá, porque a realidade está mudada e existem apelos mundiais, uma consciência crescente no mundo e no Brasil no sentido de que precisamos mudar, sobretudo, essa centralização absurda da política só na economia, deixando as outras dimensões de lado, não vendo relação entre a economia e os direitos sociais e, particularmente, dos direitos à terra. Essa falta de perspectiva cansou e deve ter sido o que influenciou as pessoas a não darem o voto para Dilma”, comenta ele.
Para quem irão os votos de Marina?
Há um intenso debate sobre o espólio eleitoral de Marina Silva. Para quem irão os votos dados a candidata do PV. Rudá Ricci acredita que ela é a “balança” do segundo turno. Na opinião da professora de comunicação da UFRJ Ivana Bentes, “quem votou na Marina por questões evangélicas, religiosas, de comportamento antiaborto, preocupada com a ascensão da classe C vai votar no Serra, afinal é um conservador. Assim, haverá uma divisão dos votos da Marina, uma parte para Dilma e outra, para Serra”.
Segundo ela, “muita gente está falando numa carta de compromisso e aliança entre PV e PSDB e isso parece previsível em termos políticos. Esse discurso ecológico zen tem toda uma visão empresarial descompromissada com uma série de pautas históricas. O cenário é esse. Os votos da Marina vão se reconduzir, se redirecionar para Dilma para quem têm as questões da ecologia como uma pauta necessária, mas dentro e aliada a discussões como distribuição de renda, proteção social, importância de projetos como o Bolsa Família, redemocratização da educação. Ou seja, uma política com os pobres”, destaca a professora.
Na análise de José Roberto de Toledo, jornalista especializado em pesquisas, “as pesquisas mostram que o eleitor de Marina está mais para Frankenstein do que para um conjunto harmônico. Uma parte é jovem, estuda na USP e celebra o discurso ambientalista de sua candidata. Desses, muitos se declaram agnósticos ou mesmo ateus. A outra face desse mesmo eleitorado é conservadora, tem baixa renda e baixa escolaridade e optou por Marina não pelo conservacionismo, mas pelo conjunto de dogmas religiosos embutidos na fé evangélica que ela professa”.
“Por esses motivos, diz ele, é mais razoável imaginar que, como fez até agora nesta eleição, o eleitorado de Marina decida, por diversos mas próprios motivos, em quem votará no segundo turno, sem ficar esperando uma orientação da candidata”. A senha foi dada pela própria Marina na mesma noite do dia 03 de outubro ao afirmar: “O voto não é de Marina, nem de José Serra, nem da Dilma. O voto, fora da visão patrimonialista das coisas, é do eleitor”.
Há um consenso de que os votos de Marina são sobretudo dados a ela e não ao partido. O PV não foi beneficiado dos quase 20 milhões de votos que Marina Silva recebeu na eleição presidencial. O PV não cresceu na mesma proporção. Registrou salto modesto na Câmara – de 13 para 15 deputados federais –, não fez nenhum governador e nenhum senador. “É um eleitorado mais dela do que do PV”, analisa um assessor. “Além disso, não teria sentido, agora, começar a negociar cargos da maneira tradicional. A campanha de Marina teve uma proposta diferenciada e continua coerente”, diz.
Tudo indica, portanto, que os eleitores de Marina escolherão por conta própria em quem votar no segundo turno. Uma possível transferência dos votos para Dilma ou Serra poderá ser mais significativa apenas se Marina se posicionar. “Se ela [Marina] ficar neutra e o PV apoiar Serra ou Dilma, isso não vai ter tanta influência. Agora, se ela se decidir por um dos dois, aí, sim, pode ser que isso pese para quem votou nela antes. O PV não sai com capital político desta eleição; quem sai é a Marina”, diz o cientista político Paulo Baía.
O cientista político José Murilo de Carvalho comenta que “Marina é maior que o PV. Do mesmo jeito que o Lula é maior que o PT. Na reta final da campanha, ela já estava dona do partido”. Sabe-se que José Luiz Penna, o presidente nacional do PV prefere Serra. A jornalista Sônia Racy, comenta que “chamou a atenção na festa do PV, a ausência de José Luiz Penna. O clima teria ficado ruim para o presidente nacional do partido após sua declaração dando conta que o PV não ficará neutro no segundo turno. Partidários negam o mal estar dizendo: “Penna deu entrevistas até tarde da noite”.
Diplomática, Marina tem dito que será iniciado um processo de consulta “aos movimentos sociais, ao empresariado moderno, à juventude, a acadêmicos e trabalhadores” e que, depois, as propostas serão levadas à convenção nacional. “Vou participar da convenção e firmar meu posicionamento. Não tenho posição a priori, mas vou ser coerente com as minhas convicções de que na democracia a gente tem que fazer com que os resultados sejam tão importantes quanto o processo”, disse.
Na análise da jornalista Renata Lo Prete, e de muitos, “ainda que a senadora vá, tudo indica, abster-se de apoiar Dilma ou Serra, quem a conhece bem acredita que, na solidão da cabine, suas raízes falarão mais alto, e ela votará 13.”
O apoio num segundo turno tem argumentado Marina, está condicionado à capacidade do candidato de aderir as suas plataformas de campanha. Para além da agenda verde e na busca dos votos de Marina, o PT estuda tirar o tema do aborto de seu programa.
Acuado pela perda de votos de evangélicos na reta final do primeiro turno, o PT ensaia deixar de lado a defesa programática da descriminalização do aborto e já planeja retirar a proposta do programa do partido, aprovado em congresso. Um dos coordenadores da campanha de Dilma, José Eduardo Cardozo, reconhece que a resolução do PT, pró-descriminalização do aborto, não é unânime no partido. Antes de ser candidata, Dilma defendia a descriminalização da prática. Depois, ao longo da campanha, disse que pessoalmente era contra a proposta.
“O PT tem posições muito radicais, que estão contra a média do pensamento brasileiro, um país cristão. Posso dizer que católicos e evangélicos ficaram muito preocupados com essa questão do aborto”, disse Marcelo Crivella, bispo licenciado da IURD e senador reeleito pelo PRB-RJ. Segundo ele, “Padre e pastor podem ter dificuldade para pedir votos, mas tiram fácil, fácil. Um pastor falou, por exemplo, que Michel Temer (PMDB-SP), vice de Dilma, era satanista e isso se espalhou como rastilho de pólvora”.
Para os evangélicos, o PT subestimou boatos. Líderes evangélicos que apoiam Dilma Rousseff, criticaram o comando da campanha petista pela lentidão na resposta à onda de boatos na internet que confrontavam a candidata com valores cristãos. O deputado federal e presidente da igreja Sara Nossa Terra, o bispo Robson Rodovalho, disse que teria alertado “durante todo o processo” que mensagens apócrifas atribuíam a Dilma a frase “nem Cristo vai impedir que eu vença a eleição no primeiro turno”, entre outras acusações, mas a resposta do comitê só foi dada na última semana de campanha: “Avisei que havia essa fragilidade e que precisávamos estancar, mas faltou rapidez”.
Agora, por um lado, o PT arma ofensiva em busca do voto de cristãos. O trabalho para aproximar Dilma dos fiéis ficará a cargo de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, e do pastor Manoel Ferreira, que é deputado federal e presidente da Assembleia de Deus.
Por outro lado, lançará insinuações acerca da real posição de Serra e relação ao polêmico tema do aborto. O contra-ataque partiu do secretário de Comunicação do PT, André Vargas: “O Brasil verdadeiramente cristão não votará em quem introduziu a pílula do dia seguinte, que na prática estimula milhões de abortos: Serra”, disse em seu Twitter. Em 1998, quando era ministro da Saúde, José Serra foi acusado de atender a grupos pró-aborto por normatizar a realização do aborto nos casos previstos em lei (risco de vida para a grávida ou gravidez após estupro).
Mesmo permitido desde 1940, poucos serviços públicos faziam o aborto. A normatização deu respaldo político e técnico para que mais hospitais o realizassem. Em 2001, o Ministério da Saúde começou a distribuir com Estados e municípios a pílula do dia seguinte. Serra ocupava a pasta. Entidades católicas foram a público dizer que a pílula é abortiva. Inicialmente, a disponibilização estava concentrada em serviços de atendimento a vítimas de violência sexual. Em 2005, já no governo Lula, o ministério ampliou a distribuição a postos de saúde, para atender também a outras mulheres que tiveram relação sexual desprotegida.
Um segundo turno politizado?
Há uma avaliação generalizada que as eleições no primeiro turno foram despolitizadas. O debate em torno dos programas foi substituído pelo ‘lulismo’. Travou-se uma disputa para ver quem reunia melhores atributos para continuar o lulismo. Até Serra procurou se mostrar lulista. Quem não se recorda do esforço dos marqueteiros do PSDB em ‘colar’ a imagem de Serra à Lula?
Na opinião do jornalista Luiz Carlos Azenha, “a opção do PT, que parecia acreditar que bastava propagandear os feitos econômicos do governo — o que foi feito com competência na campanha televisiva — para garantir a vitória em primeiro turno fracassou”.
Ainda antes das eleições o sociólogo Luiz Werneck Vianna comentava: “Nessa sucessão, que transcorre em meio a uma melancólica apresentação de dados sobre indicadores sociais, a política é a grande ausente, em que os principais candidatos sequer revelam seus programas de governo e passam ao largo, em uma sociedade com suas tradições fincadas no autoritarismo político, das discussões sobre como aperfeiçoar a democracia entre nós”.
O sociólogo Emir Sader dá uma sugestão de qual deveria ser a estratégia do PT: “A campanha deve ser dirigida diretamente por Lula, deve ser centrada na comparação dos governos do FHC e do Lula, deve ter uma estratégia específica para o eleitorado da Marina e deve multiplicar os comícios e outros atos de massa – um diferencial importante entre as duas candidaturas”.
Há um indicativo que a estratégia do PT seja essa mesma, o que significaria uma politização do debate quando comparado ao primeiro turno. Em encontro em Brasília, nessa segunda-feira, que reuniu a base aliada ao governo Lula, Dilma na entrevista coletiva, afirmou que são dois projetos bastante diferentes representados por sua chapa e pela de seu oponente, José Serra (PSDB) nessas eleições: “Não é olhar para o retrovisor, mas dizer o seguinte: se este foi o seu governo, quem me garante que você não ira repeti-lo? (…) Essa eleição é discussão de projeto, queira o meu adversário ou não. Os projetos que cada um defende terão que aparecer”.
É bastante provável que entrem em cena com mais vigor na campanha os movimentos sociais que estiveram um tanto ausentes até o momento e contribuam para a politização do debate político tal como aconteceu em 2006. Parcela do movimento social, particularmente o movimento sindical integrou-se à campanha de Dilma Rousseff. Outros setores, entretanto, como as pastorais sociais e até o próprio MST participaram de forma tímida.
Na opinião de Ivo Poletto, esses setores não manifestaram publicamente a sua opção: “Por que fizeram isso? Porque, evidentemente, a maioria tem uma posição mais clara no que diz respeito ao ‘não’, ou seja, sabem o que não querem: a eleição de Serra e tudo aquilo que ele representa. Mas, ao mesmo tempo, não querem pura e simplesmente a continuidade do que tem sido o governo Lula, tanto na relação com os movimentos sociais, quanto em relação às chamadas prioridades da economia, com o PAC”.
Espera-se agora uma participação mais ativa dos movimentos sociais. Segundo Ricardo Gebrim, integrante da coordenação nacional da Consulta Popular, é hora dos movimentos voltarem às ruas: “Nós estamos ouvindo o conjunto da coordenação nacional e até o momento há uma forte unanimidade de que a gente tenha uma orientação clara e firme de todo esforço militante”.
Segundo ele, “agora é hora de voltarmos à rua, voltarmos com a militância, retomarmos as atividades de campanha e, principalmente, de conseguirmos articular com aqueles setores e aqueles companheiros e companheiras que acabaram votando na Marina ou em outros partidos e propostas não vinculadas à candidatura Serra. Então é hora de tentar aglutinar esses setores, somar o máximo de energia, porque nós não podemos permitir a vitória do Serra. A vitória para o Serra é uma derrota para classe trabalhadora. Por isso que nesse momento temos que procurar esse eleitorado, conversar com ele e demonstrar o perigo de uma vitória da direita. E esse perigo real tem que ser enfrentado de uma forma bastante militante. A campanha nessa fase entra numa fase militante”, destaca.
Governos estaduais e Congresso. Balanço das forças políticas
O PT, o PMDB e o PSDB saem mais fortes das urnas quando se analisa as eleições para os governos estaduais. Esses partidos elegeram em primeiro turno, quatro governadores cada e podem ainda aumentar o número de governadores em 31 de outubro, quando disputarão vários governos em segundo turno.
O PT elegeu Tarso Genro no Rio Grande do Sul, Jaques Wagner na Bahia, Marcelo Déda no Sergipe e Tião Viana no Acre. O PSDB elegeu Geraldo Alckmin em São Paulo, Antonio Anastasia em Minas Gerais, Beto Richa no Paraná e Siqueira Campos em Tocantins. O PMDB por sua vez elegeu Sérgio Cabral no Rio de Janeiro, Andre Puccinelli em Mato Grosso do Sul, Silval Barbosa em Mato Grosso e Roseana Sarney no Maranhão.
No segundo turno o PSDB tenta ampliar sua presença em Alagoas, Pará, Goiás, Piauí e Roraima. O PMDB disputará o segundo turno em Goiás, na Paraíba e em Rondônia e o PT tenta ampliar o número de governadores no Distrito Federal e no Pará.
Quando a análise se desloca, porém, para o Congresso o PT foi o grande vitorioso. O partido chega a 88 cadeiras e emplaca a maior bancada.
A evolução das bancadas na Câmara dos Deputados:
Como se pode perceber no quadro acima, o PT terá a maior bancada na Câmara dos Deputados. As outras legendas tradicionais que sempre tiveram presença significativa reduziram suas bancadas. Os dados estão sujeitos ainda a modificações dependendo das decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acerca dos votos dos políticos vetados pela lei Ficha Limpa.
Os dois principais partidos de oposição ao presidente Lula, PSDB e DEM, perderam juntos 34 deputados. A bancada oposicionista conseguiu apenas 111 cadeiras. O PV apesar da “onda verde” alavancada pela candidata Marina Silva não cresceu tanto na Câmara – saltou de 13 para 15 cadeiras. A “renovação” na Câmara foi de 43,7%. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar (Diap), a mudança foi a maior em 1990 – 62%. Em 2006, o porcentual atingiu 48,7%.
Na lista dos que não se reelegeram estão nomes de peso, como os tucanos paulistas Vanderlei Macris, Walter Feldman, Ricardo Montoro e Arnaldo Madeira. O PT também registrou baixa importante, com a não reeleição de José Genoino. Ainda ficaram de fora da próxima legislatura os deputados William Woo (PPS-SP) e Luiz Antonio de Medeiros (PDT-SP). No Rio, Marcelo Itagiba (PSDB) foi um dos que não conseguiram se reeleger.
A maior votação foi do palhaço Tiririca (PR-SP), 1,3 milhão de votos. Se destacaram ainda Garotinho (PR-RJ), com 694 mil; Manuela D”Ávila (PC do B-RS), com 482 mil; Ana Arraes (PSB-PE), com 387 mil, e Ratinho Jr. (PSC-PR), com 358 mil.
A relação de proporção de votos é encabeçada por Antônio Reguffe (PDT-DF), que obteve 18,95%. Ele é seguido por Márcio Bittar (PSDB-AC), com 15,34%; Marinha Raupp (PMDB-RO), com 14,23%; Teresa Jucá (PMDB-RR), com 13,39%, e Fátima (PT-RN), com 13,33%. O deputado federal menos votado foi o ex-big brother Jean Wyllys (PSOL-RJ), com 0,16% – se elegeu graças à votação de Chico Alencar.
Na eleição para o Senado, o PT aparece como o grande vitorioso. A bancada do partido pulou de 8 para 14 senadores, entretanto, o PMDB continuará a ser a maior força no Senado, passando de 17 para 20 senadores. Perdem senadores o PSDB e o DEM. Os Democratas com 13 senadores passará a contar com seis a partir de 1º de fevereiro de 2011. Já o PSDB, que conta com 14 senadores, contará com uma bancada de 11 parlamentares.
Somados PT e PMDB elegeram quase a metade dos senadores o que dará uma tranquilidade, caso eleita, a Dilma Roussef no Senado. Um grande tendão de Aquiles do governo Lula durante o seus oitos anos de mandato foi a dificuldade no Senado onde nunca conseguiu maioria. Dos 54 senadores eleitos, 43 são de partidos que integram a atual base governista, dez de oposição e um de sigla independente.
Outra novidade na eleição para o Senado é a derrota de vários “medalhões” da política nacional. Não retornam para o Senado nomes tradicionais da política brasileira como Marco Maciel (DEM), Tasso Jereissati (PSDB), Heráclito Fortes (DEM) e Arthur Virgílio (PSDB).
O Senado também perderá parlamentares importantes da base governista, que deixaram seus mandatos para concorrer a governos estaduais, como Aloízio Mercadante (PT-SP), Ideli Salvatti (PT-SC) e Hélio Costa (PMDB-MG). A nova legislatura, por outro lado, terá a representação de três ex-presidentes: José Sarney (PMDB-AP), Fernando Collor (PTB-AL) e Itamar Franco (PPS-MG). Também foram eleitos nomes de peso como Aécio Neves (PSDB), ex-governador de Minas Gerais e ex-presidente da Câmara dos Deputados. Outros ex-governadores que assumirão vagas no Senado são Roberto Requião (PMDB-PR), Eduardo Braga (PMDB-AM), Blairo Maggi (PR-MT), Marcelo Miranda (PMDB-TO), Jorge Viana (PT-AC) e Ivo Cassol (PP-RO).
Um nome na renovação do Senado é o de Marta Suplicy (PT-SP), ex-prefeita de São Paulo. Quem tentou voltar ao Senado e não conseguiu, entre outros, foi Heloísa Helena, presidente nacional do PSOL. Destaque-se que Jader Barbalho (PMDB-PA), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Ivo Cassol (PR-RO) podem não assumir devido à Lei da Ficha Limpa.
Em que pese à renovação de nomes para Senado, o mesmo terá perfil moderado. A bancada do PT que pula de 8 para 14 senadores, terá agora integrantes de perfil mais técnico e com atuação política forte nos bastidores. Se nas legislaturas passadas os parlamentares petistas tinham como principal marca a combatividade na atuação dentro do plenário, especialmente quando o partido era oposição ao governo federal, agora, depois de quase oito anos de administração de Lula, elegeram-se senadores com maior poder de articulação, como a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (SP), o ex-governador do Acre Jorge Viana e o ex-ministro da Saúde, Humberto Costa (PE).
No bloco técnico, o PT passa contar com a paranaense Gleisi Hoffmann, casada com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e com José Pimentel (CE), que deixou o Ministério da Previdência Social para ganhar uma vaga de senador. Além disso, o ex-deputado baiano Walter Pinheiro chega ao Senado com a credencial de especialização nas áreas de telefonia, comunicação e agências reguladoras.
(Ecodebate, 07/10/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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