É praticamente impossível fazer uma reflexão mais de fundo nesse momento da campanha eleitoral, onde o jogo do poder prevalece sobre a ética e a verdade. Porém, é impossível também não comentar as declarações de Serra sobre o saneamento.
Ele tem afirmado que desenvolverá o saneamento no Brasil, alegando que o governo atual pouco fez nesse sentido. Então, é preciso restabelecer um mínimo de verdade nessa questão.
Em 2004 eu estava na equipe da CNBB que elaborou o texto base da Campanha da Fraternidade, “Água, fonte de vida”. Evidentemente tínhamos que nos deparar com a questão do saneamento no Brasil. Então, pesquisando o governo FHC, ficamos sabendo que o Brasil, por força de um acordo com o Banco Mundial e FMI, tinha sido proibido de investir em saneamento por quase uma década. O argumento dos organismos multilaterais era que “não são investimentos, mas despesas”. Para equilibrar as contas, então, não se podia investir no saneamento.
Dessa forma os serviços ficaram ainda mais precarizados, mas, era a lógica de “precarizar para privatizar”. Foi feita uma tentativa monumental da era FHC para privatizar os serviços de água no Brasil. Houve resistência popular, dos sindicatos, de parlamentares vinculados à questão social. As privatizações desse setor, àquela época, pouco avançaram.
Quando estávamos para concluir o texto base, D. Odilo Sherer, então secretário na CNBB, me delegou, juntamente com o Pe. Carlos Tóffoli, para um encontro com o Olívio Dutra, então ministro do Ministério das Cidades. Foi ele que nos apresentou o Marco Regulatório do Saneamento Ambiental para o Brasil. O país precisaria de cerca de 180 bilhões de reais para ser saneado, um investimento médio de oito bilhões ao ano durante vinte anos.
O conceito de “saneamento ambiental” inclui cinco princípios básicos: abastecimento de água para uso doméstico, coleta e tratamento de esgoto, drenagem das águas pluviais, manejo dos resíduos sólidos, controle de vetores transmissores de doenças.
Esse Marco Regulatório do Saneamento foi finalmente aprovado, embora ainda persistam pontos divergentes no Congresso. Na contradição do PAC, o governo atual começou operacionalizar efetivamente o saneamento, embora de forma tantas vezes criticável, como acontece aqui no vale do São Francisco.
Uma questão básica como essa não pode estar à mercê do jogo bruto da conquista do poder. Nossa população mais pobre precisa de um verdadeiro saneamento ambiental, hoje reconhecido pela ONU também como direito fundamental do ser humano.
A conquista do saneamento deveria ser um pacto nacional, para além de todo e qualquer partido.
Roberto Malvezzi (Gogó), articulista do EcoDebate, é Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT
Nenhum comentário:
Postar um comentário