domingo, 31 de outubro de 2010

Crise nas empresas ou crise do jornalismo?




Alberto Dines

# O problema é geral? Veja o que a acontece no NYTimes, na Folha e na Abril:A receita líquida do grupo The New York Times aumentou no terceiro trimestre de 98: passou de US$ 46 milhões em 1997 para US$ 55 milhões em 98. Apesar da queda generalizada no faturamento publicitário no resto dos diários americanos. E apesar da conduta sóbria na cobertura do caso Clinton-Lewinsky contrastando com o sensacionalismo do resto da mídia. O faturamento publicitário do jornal cresceu 4,6% (publicado no Estadão, 16/10/98, p. A-13). Se a publicidade subiu, a circulação não pode ter desabado. Se um grupo teve aumento de receita, a crise não pode ser geral. Só pode ser setorial. E afeta aqueles que não sabem apostar em qualidade.
Até o momento nem a Folha de S. PauloO Dia ou a Editora Abril fizeram demissões. Nesta proibiu-se a compra de matérias dos free-lancers, o chamado "frila", e está sendo eliminado um escalão do staff de alto nível ("aspones") que estão passando para a operação ("linha", no jargão).
# Quadros dirigentes são inocentes? Veja o que aconteceu no JB
A equipe que comandava a redação do Jornal do Brasil ganhava 150 mil reais mensais (cifra fornecida pela empresa). Eram quatro, o que dá um salário médio de R$ 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos reais). É remuneração de grande empresa, altamente lucrativa, no primeiro mundo. Alan Greenspan, um dos poderosos do mundo, ganha US$ 11.400 mensais, sem 13° salário (Ancelmo Gois, Radar de Veja, 21/10/98). Mas o salário médio dos jornalistas, segundo a Administração da Redação, fica em R$ 2 mil (o intervalo vai de R$ 700 a R$ 12 mil). Há uma dúzia de estagiários com remuneração de R$ 250 e outro tanto de prestadores de serviço ganhando entre R$ 700 e R$ 1.000. O problema é de quem recebe os altos salários ou de quem adota esta aberrante disparidade salarial? Responda você mesmo.
Acrescente-se um dado qualitativo: excetuados alguns editores e colunistas que sabiam o que faziam, o comando jornalístico mostrava-se sem rumo e sem estratégia. Comportava-se como barata tonta e, para fingir modernidade, copiava os modismos da Folha, afastando-se dos padrões de qualidade que sempre marcaram o jornal. Um quality paper pode desaparecer, mas desaparece mais depressa quando abandona os compromissos que o converteram num quality paper.
A Rede Record e a Bandeirantes pagam salários fabulosos aos âncoras dos telejornais do horário nobre mas não investem em equipes e equipamento. No caso de Boris Casoy, sua fórmula esgotou-se. No caso de Paulo Henrique Amorim, como se trata de jornalista experimentado e competente, o sistema ainda rende, na base do one-man show. Segundo matéria publicada na Folha, essas redes, além de outras, estão à venda (ver remissão abaixo).
# O modelo jornalístico era apropriado? Veja no que deu a influência da Universidade de NavarraNo início desta década e pela primeira vez na história do jornalismo brasileiro, a grande maioria dos grandes veículos impressos adotou uma espécie de plataforma comum, no tocante às estratégias e modelos editoriais. Era a "Doutrina Navarra", enunciada por um grupo de consultores ligados àquela Universidade ou a empresas da mesma linha sediadas em Miami.
Visualmente preconizavam jornais lambuzados de cores. Conceitualmente defendiam a idéia da submissão ao "mercado". Tecnicamente pretendiam o padrão de jornalismo breve, reduzido, movimentado por gráficos e não pelo conteúdo. A ética apregoada nada tinha a ver com a função social da imprensa ou seus compromissos conceituais – moralismo formal, mais para seita religiosa do que para instituição política.
Agora, diante da derrocada deste modelo, é imperioso lembrar os seus formuladores. E o preço que se pagou pelas "consultorias", pelos sucessivos redesenhos e pelos cursos de aperfeiçoamento no exterior.
# Empresários são confiáveis? Veja o que aconteceu na Manchete, no SBT, etc., etc.Adolpho Bloch ganhou do governo militar duas concessões, com o compromisso de fazer TV de alta qualidade. Não tinha competência. Sonhava com um império jornalístico mas desprezava jornalistas e jornalismo. Salvo um pequeno grupo que vivia à sua volta, dizendo amém às besteiras. Tinha uma especial acuidade para contratar larápios: a empresa foi literalmente assaltada ao longo dos últimos 15 anos por corriolas das quais faziam parte jornalistas. Tarefa facilitada porque, para enganar os acionistas minoritários, criou um esquema paralelo do qual todos se serviam. Quando foi vendida a Hamilton Lucas de Oliveira, a TV Manchete já estava falida. O herdeiro de Adolpho Bloch simplesmente copiou os seus comportamentos, inconseqüência e manias. Agora a empresa quebrou.
Silvio Santos é um animador de programas de auditório. Seu nível de competência fica nisto, não tem vôo para coisas maiores. Seus outros negócios prosperaram porque foram entregues a bons administradores. Não basta para gerir um grupo de comunicação. Prova é o interminável troca-troca no alto comando da Rede e as sucessivas mudanças de estratégia. Outro que jamais gostou de jornalismo e jornalistas. Segundo a mesma matéria da Folha também está à venda.
# A diversificação está dando certo? Veja o que aconteceu na RBS e no Estadão
Este OBSERVATÓRIO vem advertindo há mais de um ano que, ao ingressar nos ramos da telefonia e das telecomunicações, algumas das grandes empresas jornalísticas brasileiras entraram em perigosos desvios. Abandonaram aquilo que no jargão chama-se core business, atividade central, substância: a produção de notícias. Enfiaram-se num negócio altamente dispendioso e que não dominam. Pior: confronta e afronta suas obrigações como serviço público.
Folha teve o bom senso de escapar da miragem depois que perdeu a primeira concorrência. O Estadão e a RBS ficaram e, para fazer face aos investimentos, tiveram que fazer cortes nos quadros do core business. As Organizações Roberto Marinho têm cacife financeiro para entrar nas areias movediças da diversificação. Mas fizeram cortes de pessoal.
(Ver remissão para textos anteriores sobre o assunto.)
# EMPRESAS DESCAPITALIZADAS? POR QUE NÃO INSISTIRAM NA REVISÃO DO ARTIGO 222? Veja como as empresas jornalísticas burlaram a Carta MagnaEste "Observatório" defende, desde a sua fundação, a revisão do artigo 222 da Constituição. Nestas poucas linhas está a causa dos problemas que afligem as empresas jornalísticas brasileiras. Ao limitar praticamente a pessoas físicas a propriedade dos veículos jornalísticos e impedir o acesso ostensivo de capitais estrangeiros, os constituintes criaram condições para o atual processo de descapitalização e para a presente crise.
Estimulado por nossas matérias, o deputado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) estudou a questão, ouviu as partes e fez uma proposta razoável de revisão do infeliz artigo. Os grandes grupos jornalísticos foram teoricamente a favor da emenda do deputado Aloysio mas nada fizeram para apressar a tramitação da emenda. Preferiram ultrapassar o espírito da lei com jogadas que atendem apenas ao texto da lei.
Capitais estrangeiros estão abertamente associados a empresas brasileiras, conforme este OBSERVATÓRIO vem alertando. Pessoas jurídicas são acionistas de empresas jornalísticas por via indireta.
É um vale-tudo numa área que envolve precisamente aqueles que deveriam zelar para que não imperasse o vale-tudo.
O deputado Aloysio Nunes Ferreira foi reeleito.
(Ver abaixo relação de textos.)
# EXECUTIVOS ESTÃO SENDO COMPETENTES ? Veja o que está acontecendo em O Globo e no EstadãoComo informamos na edição anterior, O Globo aposta na alta rotatividade de pessoal: baixou o limite de idade. Triplo contra-senso: a) para um país que envelhece, vai oferecer um jornalismo menos qualificado; b) investiu em quadros profissionais que agora desperdiça e recomeça tudo de novo com quadros jovens; c) esqueceu que profissionais mais experientes são os mais baratos: estão com suas vidas razoavelmente arrumadas e querem manter-se no mercado de trabalho. Em troca, oferecem produtividade. (Ver abaixo texto de Fritz Utzeri.)
Estado de S. Paulo inovou em matéria de administração de redações: adotou a dialética do duplo comando. Funciona formalmente o regime de conflitos e contradições. Com os indefectíveis grupos e conseqüente imobilidade. No recente episódio das demissões na redação, a administração teve que contentar os dois grupos, em partes iguais.
# O governo deve ajudaR as empresas endividadas ? Veja o que aconteceu com o INSS e o FGTS. E por que a Abril não entrou naGazeta Mercantil
Nos anos 70 a Folha era uma das maiores devedoras da Previdência. Negociou e pagou tudo, seus funcionários não tiveram prejuízo e sempre gozaram dos benefícios a que tinham direito. Não é o que acontece noJornal do Brasil e na Manchete: os profissionais são descontados mas as empresas não repassam as contribuições nem comparecem com a sua quota.
Além da apropriação indébita - o que configura infração prevista no Código Penal - os trabalhadores são prejudicados nos benefícios a que têm direito.
A Rede Record rompeu com o governo federal e a Igreja Universal passou à oposição porque os fiscais da Receita Federal descobriram irregularidades nas suas contas.
A parceria entre a Gazeta Mercantil e a Editora Abril foi desfeita porque os auditores desta descobriram dívidas com o fisco não mencionadas nas primeiras negociações. Nosso mais importante jornal de economia e finanças é dos mais veementes na cobrança do ajuste fiscal.
Ironias da vida: jornais que defenderam as privatizações estão agora sofrendo, porque os novos donos das empresas (de energia elétrica, por exemplo) querem receber as contas, que costumavam ficar penduradas. Além disso, grandes empresas que "salvavam" situações críticas com generosos anúncios (a Vale do Rio Doce é o exemplo clássico) são agora movidas por uma lógica diferente.
Perguntas finais:# Deve o governo anistiar as empresas jornalísticas?
# E por que não todas as empresas?
# Como é que ficam o orçamento, a dívida interna, os juros, o câmbio, o PIB?
Nota: por falta de informações fidedignas não foram mencionadas a Rede Bandeirantes, os Diários Associados, a CNT, a Fundação Gazeta, a Editora Três e as empresas jornalísticas regionais. Qualquer colaboração será bem-vinda.Dr. Roberto não foi aposentado aos 55Fritz Utzeri
Na redação do Globo no Rio foram demitidos 16 jornalistas. Como um dos "passaralhados", concordo em gênero, número e grau com as observações de Alberto Dines no Observatório na TV (13 de outubro de 98).
O pior é que a expulsória dos caquéticos cinqüentões nega a própria história das organizações Globo. O que seria do grupo, hoje hegemônico, se o seu patriarca e "nosso companheiro" tivesse se aposentado aos 55 anos? Foi justamente entre os 60 e os 90 anos de idade que o Dr. Roberto construiu o maior império de comunicações do Brasil. É dose...

O salário do talentoNahum Sirotsky, de Jerusalém (*)

Apesar de me encontrar em Israel, numa temporada de duração imprevisível, não deixo de acompanhar tanto quanto é possível o que vai por aí, no Brasil. Com o milagre da Net, leio os jornais e revistas, escuto rádio. E acompanho o que se diz sobre o Brasil na mídia internacional. Os versos do poeta, lidos quando garoto, não me saem da cabeça: "Minha terra tem palmeiras etc." O que, para mim, que já rodei mundo, continua mais verdade do que nunca.
Minha leitura inclui o OBSERVATÓRIO, o qual recebe, às vezes, observações minhas. A crítica da imprensa por ela própria é, hoje, generalizada. O motivo que se apresenta é o de sempre: defesa da qualidade, do leitor etc. Na verdade, reflete a preocupação de acionistas e proprietários com a velocidade de entrada no mercado de novos meios de comunicação e do que implicam em concorrência aos meios que poderíamos chamar de tradicionais. (Estima-se que o comércio promovido via Net deve chegar a dois trilhões no milênio?! Quando deixei o país, há dois anos e meio, os cibernautas somavam em poucos milhares, todos devidamente autorizados pela RPN, com permissão da Net americana!).
Os veículos querem descobrir como preservar a clientela, que é o que "vendem" às agências de publicidade. Eles também criaram uma dependência das pesquisas. No entanto, existem as respostas que são públicas e notórias que, suspeito, nem sempre são vistas pelos que respondem pela indústria e o comércio do jornalismo. Através dos séculos, e de todas as transformações provocadas pelos avanços tecnológicos, sobreviveram e prosperaram os veículos que souberam (a) escolher seu público; (b) servi-lo adequadamente em termos de qualidade e informações compatíveis. Com ele e seu potencial econômico.
Lembro alguns exemplos recentes: o Wall Street Journal não baixou sua linguagem nem sua qualidade com a concorrência da televisão etc. E cresceu mais do que nunca no contexto da concorrência da nova mídia. OWashington Post, de jornal provinciano transformou-se num dos melhores e mais ricos diários do mundo. Aparentemente, o N. Y. Times, que se deixou influir pela equação da massificação, não é mais o mesmo. O Financial Times entendeu a questão, e melhora a cada dia. OEconomist não necessita de promoções de baixo nível para aumentar seu prestígio e conceito. El País, da Espanha, é uma prova provada de que erram os que dizem que não se quer mais ler. É mesmo inigualável na sua cada vez mais elevada qualidade de texto e substância. O sucesso da CNN se explica pela qualidade de sua gente e, conseqüentemente, de como expõe informações e de como são analisadas. Mas a BBC mantém seu conceito e prestígio por nunca fazer concessões em questões de qualidade e respeito aos seus ouvintes e telespectadores.
Todas essas observações são para cumprimentar Alberto Dines pela tese central de seu artigo sobre a crise na mídia; ele disse, bem claro e explícito, que as circunstâncias da economia nacional e internacional não a explicam. São influências do momento. É imaginar que o leitor, ou espectador, não tem senso crítico, e que não sabe diferenciar, por exemplo - para falar de quem se foi e nunca foi igualado - um cronista como o Rubem e os que foram improvisados nos últimos anos, de um Ibrahim, com seus pobres imitadores, de um Paulo Francis, cuja coluna tantos criticavam, mas que nem sequer se consegue imitar.
A variedade de mídias - entre imprensa e eletrônicas - é a "janela da oportunidade", na linguagem moderna, para através dela permanecerem os que compreenderam o que acontece e o seu papel. A revista Coliersmorreu por excesso de circulação! O Economist é prospero com umas centenas de milhares de leitores. Hoje, mais do que nunca - e, no caso da mídia, devido à curta vida da notícia -, o veículo tem de ter a mais alta qualidade possível compatível com o consumidor que escolhe. A mídia impressa tem de ser a mídia da exposição de significados que, por definição, exigem reflexão. É a mídia que exige um corpo de colaboradores experientes e, no mínimo, com conhecimentos gerais, de preferência, porém com base cultural tão sólida quanto possível. Uma foto vale mil palavras, se diz. Mas, o que diz o mais dramático flagrante da bolsa de Wall Street além da angústia dos corretores?
A jogada do estagiário já é antiga. Não se pode culpá-los por não saberem o que foi o linotipo. Mas o leitor não pode pagar com a ignorância do que acontece no mundo o fato de que não se pode exigir desse jovem o conhecimento e a cultura que vêm com o tempo, o estudo, a leitura e a experiência.
Dines botou o dedo na ferida. Minha vida tem sido toda ela no jornalismo. Espero que o artigo consiga acordar os que dormem na inocência de que economizando no salário do talento se pode fazer de veículos um bom negócio. Anorexia de falta de qualidade mata.
(*) Correspondente de Zero Hora e Rádio Gaúcha e também Observador.

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