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Por Celso Lungaretti em 20/10/2010
Um bom amigo me perguntou se eu não estaria sendo precipitado, ao concluir que o impulso dado à candidatura demotucana pela surpreendente sobrevida já está exaurido. Colocou em dúvida a confiabilidade do instituto Vox Populi.
Respondi que, independentemente da pesquisa e de quem a fez, era isto que eu intuia desde o debate Folha/Rede TV.
José Serra — a quem caberia aplicarmos o título do livro/filme de Clive Barker, Renascido das Trevas — teria de aproveitar o que porventura ainda restasse do seu momento favorável, levando Dilma Rousseff às cordas naquele debate.
Uma pesquisa por ninguém questionada, a do DataFolha, já revelava que a sangria de votos de Dilma havia sido estancada e a situação estabilizara-se novamente, num patamar ainda seguro para a candidata oficial.
Serra teria de produzir algum impacto na noite de domingo, para voltar a crescer a partir da 2ª feira. Negou fogo.
Então, deduzi, a tendência era de que a altíssima aprovação do governo atual e a popularidade do presidente Lula voltassem a fazer a diferença, já que nenhum candidato sobrepujava nitidamente o outro — como, aliás, vinha se constatando desde o início da campanha.
Então, das quatro semanas entre um turno e outro, na primeira Serra tentou e não conseguiu decolar; na segunda houve imobilismo; a terceira tende a ser de Dilma; e a possibilidade de que o quadro sofra uma grande reversão na quarta é das mais remotas.
Com o que isto se parece? Com a eleição de 2006, claro! Pois:
- tudo levava a crer que Lula liquidaria a fatura no 1º turno;
- a tendenciosidade da mídia, produzindo na enésima hora um factóide providencial, salvou Geraldo Alckmin;
- este, entretanto, não conseguiu embalar na 1ª semana;
- Lula segurou a onda, voltando a crescer nas duas semanas seguintes;
- chegou à 4ª com a vitória consolidada, de tal forma que o resultado das urnas (ele colocou uma vantagem de 21%, mais de 20 milhões de votos, em cima de Alckmin) foi apenas a confirmação do que todos esperavam.
Analista político que se preza tem de acreditar nas suas avaliações e intuições. Eu não fico em cima do muro, teclo-as e divulgo.
Uma notícia desta 4ª feira (20) da Folha de S. Paulo, Campanha de Serra vê perda de fôlego e traça mudanças, vem ao encontro da minha sensibilidade, como se constata nestes trechos:
“O comando da campanha de José Serra (PSDB) avalia que houve uma perda de fôlego nos últimos dias e estuda como manter a candidatura em ascensão.Um reflexo disso foi o abandono do tema do aborto e de questões religiosas pelo tucano…“O tema (…) já começa a ser visto com potencial negativo pelo PSDB, especialmente depois que a mulher de Serra, Monica, acabou incluída involuntariamente no noticiário…“Ontem, o partido demonstrou publicamente uma contrariedade em grau ainda não manifestado em relação a uma pesquisa do Vox Populi que apontou crescimento da vantagem de Dilma Rousseff (PT) sobre o tucano…“A pesquisa deu início a um procedimento raro na campanha de Serra. O presidente do PSDB e coordenador da campanha, Sérgio Guerra, decidiu conceder entrevista coletiva com o objetivo de desqualificar o instituto e os números da pesquisa…“Guerra fez um pronunciamento de nove minutos recheado de duros ataques ao instituto. Apesar das críticas, ele não anunciou nenhuma medida judicial em relação à pesquisa ou ao instituto.“Um tucano também afirmou ontem que a expectativa do partido é que a próxima pesquisa Ibope, que deve ser divulgada hoje, também aponte um crescimento de Dilma, interrompendo a trajetória ascendente de Serra”. [os grifos são todos meus]
Nas entrelinhas, o que se percebe é o desespero de quem vê a derrota chegando.
Caso a expectativa em relação ao Ibope se confirme, como eu acredito que se vá confirmar, a candidatura de Serra voltará a fazer água.
E, desta vez, não haverá nenhuma Marina Silva para atirar-lhe uma bóia…Após o insosso debate entre os presidenciáveis que a Rede TV e aFolha de S. Paulo promoveram no último domingo, fiquei com a impressão de que 2006 se repetiria: um grande esforço de última hora da mídia golpista evitando que a candidatura oficial decidisse a parada logo no 1º turno, mas não sendo suficiente para reverter o resultado anunciado.
Como Alckmin daquela vez, Serra não encontrou o mapa da mina. Marina Silva e o PIG lhe proporcionaram uma sobrevida, mas aproveitá-la para decolar são outros quinhentos.
Com carisma zero, não consegue fazer seus castelos nas nuvens valerem mais do que uma realidade palpável: as condições de vida dos pobres e dos muito pobres melhoraram sob o governo atual.
Então, independentemente de posturas ideológicas, o que deixa Serra num beco sem saída são a aprovação e popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A percepção do eleitor despolitizado é de que o Brasil evoluiu, daí ele encarar a tempestade de som e fúria dos demotucanos como tentativas de encontrarem pêlo num ovo que está dando certo. Portanto, significando nada.
Trata-se de uma sinuca de bico: não há factóide, propaganda enganosa e alarmismo que façam os eleitores pés no chão mudarem seu voto.
O desejo da Veja, erigido em matéria de capa (!), é o de que a eleição fosse decidida em Minas Gerais, com Aécio Neves como fiel da balança. Dia 31 a revista aprenderá que jornalismo é algo mais do que expressão de desejos.
Uma mudança surpreendente do quadro só seria possível se Serra fosse um personagem eletrizante; mas, seu estilo é de quem está sempre explicando o óbvio a estudantes burrinhos. Não empolga ninguém.
Ora parece um mestre-escola alongando-se em repetições desnecessárias para martelar as lições na cabeça dos alunos, ora um guarda-livros a detalhar uma contabilidade que ele considera interessante e os demais, nem um pouco. Enfim, um chato de galochas, como se dizia antigamente.
O aborto (a palavra aqui cai muito bem…) da hipotética virada já começa a se evidenciar nas pesquisas eleitorais: a última do Data Folha mostrara um quadro estático e a nova do Vox Populi flagra subida de Dilma.
Pior que a derrota será a decepção causada por Serra àqueles que ainda acreditavam nele.
Aceitar o apoio e beneficiar-se da baixaria das correntes virtuais ultradireitistas, fazer promessas demagógicas como a do salário mínimo de R$ 1.600 e colocar uma questão religiosa no centro da campanha o deixou com a imagem de quem pisa até no pescoço da mão para chegar à Presidência.
O último a projetar tal imagem acabou morrendo na praia. E, convenhamos, fazia bem mais por merecer o ambicionado troféu.
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Palavras-chave: Alckmin, Clive Barker, Dilma, eleições 2010,Lula, Marina, Serra
Texto publicado em 20/10/2010 às 08:09 na(s) seção(ões)Opinião.
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