domingo, 31 de outubro de 2010

Pobreza, religião e cidadania: a tradição do candomblé e a luta pela cidadania na Baixada Fluminense


 Magali da Silva Almeida
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Faculdade de Serviço Social – UERJ


Problemática e delimitação

A problemática deste estudo prende-se à construção de ações assistenciais e sócio-educativas na Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro. Esta comunidade é dirigida por Beatriz Moreira da Costa, conhecida como Mãe Beata de Yemanjá, yalorixá dirigente do culto e responsável pelos projetos sociais. O terreiro situa-se à rua Francisco Antonio Nascimento, 42, Miguel Couto, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brasil.
 O estudo está delimitado ao período do surgimento da Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro em 1985 a 1998. O terreiro segue a tradição do Alaketu, com sede em Salvador – Bahia.
 Para consecução da pesquisa apresentamos os seguintes objetivos:
 – Conhecer as tradições, ritos e crenças do candomblé de ketu.
– Conhecer as representações sociais sobre pobreza e seus sujeitos sob a perspectiva religiosa do candomblé.
– Identificar e analisar os principais temas presentes no discurso Mãe Beata de Yemanjá motivadores das ações assistenciais e sócio-educativas realizadas no Terreiro Ilê OmiOjuaro.
 Genericamente, os projetos sociais realizados nos terreiros têm em comum trabalhar a questão da identidade, viabilizando ações políticas pelo viés cultural e obedecem à dinâmica de relações sociais estabelecidas internamente nos terreiros e destes com a sociedade mais ampla.
 A finalidade do candomblé é o culto religioso. No entanto, outras atividades, circunscritas ao mundo profano, ocorrem no espaço interno dos terreiros, o que indica a influência dessa perspectiva religiosa em outros aspectos da vivência do “povo-de-santo” nos terreiros e destes na sociedade abrangente.
 A investigação foi orientada segundo as seguintes hipóteses:
1ª)  A realização de projetos sociais na Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro responde à ausência de projetos governamentais na área social em atenção às necessidades da população pobre.
2ª) Os projetos realizados na Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro são construções da cidadania popular e afirmam a memória e identidade negro-brasileiras.
 A produção cultural negra opera, segundo uma dinâmica diferente da lógica sócio-cultural burguesa. Ela se afigura enquanto um projeto social com base em valores e princípios éticos distintivos da cultura erudita.
 Na visão do mundo do candomblé, o sagrado e o profano se integram. No universo integram os homens, orixás, voduns , inquices, ancestrais, terra, água, ar, fogo, plantas, bichos, constituem parceiros da vida, todos comprometidos com o ciclo vital. Portanto o candomblé reflete uma visão integradora, fundada na preocupação básica do ser que procura a harmonia, o ajuste do ser humano com o universo visível e invisível.
 A presente comunicação tem em vista analisar os principais temas do discurso de Mãe Beata de Yemanjá procurando identificar sua concepção acerca da pobreza e seus sujeitos, em cujas representações se ancoram as práticas sociais para sua superação.

Procedimentos metodológicos

Para esta pesquisa, utilizamos as seguintes fontes documentais:

a) arquivo pessoal de Mãe Beata de Yemanjá (discursos proferidos em palestras e seminários, documentação referente às atividades desenvolvidas no terreiro);
b) ABC (arquivo da Biblioteca Nacional), seção de microfilmagem para levantamento de fontes coletivas, dentre as quais a imprensa negra do RJ;
c) oral: entrevistas com Mãe Beata, realizadas em sua residência entre junho de 1997 à julho de 1998. O material gravado foi transcrito e submetido a posterior análise.
 Todas as entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora, entre julho de 1997 e julho de 1998.
 As opiniões, crenças, informações e atitudes, contidas no discurso de Mãe Beata, foram submetidas a análise de conteúdo. Essa técnica de análise, permite identificar a freqüência de determinados temas na narrativa do entrevistado. A importância a eles atribuídos pelo depoente permite depreender os elementos constitutivos da representação.
 Além da fonte oral, utilizamos fotografias como forma de apoio e como meio de captação e reforço da memória.


O pobre na cidade: imaginários em confronto

Vivemos hoje um período de profundas transformações provocadas pelo processo de globalização. Com a modernização contemporânea, todos os lugares se mundializam. A cidade, dada a sua natureza, é o espaço onde vetores de diferentes ordens se manifestam buscando finalidades diversas, que se entrelaçam, se opõe, se reconstroem cotidianamente.
 Palco da atividade de todos os capitais e de todos os trabalhos, ela pode atrair e acolher as multidões de pobres expulsos do campo e das cidades de pequeno porte pela modernização da agricultura e dos serviços. E a presença dos pobres aumenta e enriquece a diversidade sócio-cultural, que tanto se manifesta pela produção da materialidade, quanto pelas formas de trabalho e de vida.
 A presença do pobre na cidade, introduz no cenário urbano uma nova forma de ser/viver que por se diferenciar do padrão hegemônico normativo, tem condições de expansão e criação do novo, ainda que sob as malhas do poder disciplinar.
 O disciplinamento e o controle exercido pelas instituições não são competentes para impedir a expansão e presença dos pobres na cidade.  Os asilos para idosos, as casas lares para crianças e famílias de rua, os manicômios e prisões, espaços específicos para o trabalhador informal – camelódromos –, correspondem a territórios de exclusão provocada pela exploração econômica, opressão e estigma social.
 O imaginário urbano, moderno, tecnológico, não comporta a convivência com pobreza. Os grupos excluídos para sobreviverem, e assim atenderem as suas necessidades, criam um conjunto de equipamentos sociais e tecnológicos, que por desafiarem ao padrão instituído continuamente, se sofisticam e escapam do totalitarismo da racionalidade.
 A cidade moderna “luminosa” tecnificada é rotineira; um sistema de gestos sem surpresas. Nela a dinâmica histórica cria, no organismo urbano, áreas criadas ao sabor da modernidade que se justapõe, contrapõe ao resto da cidade onde vivem os pobres, as zonas “opacas”. Estas são espaços aproximativos da criatividade, opostos às zonas luminosas espaços da regra e da exatidão.
 Os setores excluídos da população, se diferenciarão dos setores dominantes à medida que a resistência daqueles produz expressão uma clivagem sócio-cultural, ou seja, esses grupos constroem mais identidades referenciadas em uma herança cultural suportes da memória coletiva, originária, através da qual abre-se a possibilidade de busca do novo.

Para Milton Santos, os pobres, “por serem “diferentes” [...] abrem um debate novo, inédito, às vezes silencioso, às vezes ruidoso, com as populações e as coisas já presentes. É assim que eles reavaliam a tecnoesfera e a psicoesfera, encontrando novos usos e finalidades para objetos e técnicas e também novas articulações práticas e novas normas, na vida social e afetiva. [...]
Trata-se, para eles, da busca do futuro sonhado como carência a satisfazer  carência de todos os tipos de consumo, consumo material e material, também carência de consumo político, carência de participação e cidadania. Esse futuro é imaginado ou entrevisto na abundância do outro e entrevisto, como contrapartida, nas possibilidades apresentadas pelo mundo e percebidas no lugar.”

Nesse sentido, é na dinâmica das relações sociais que os grupos sociais, movidos por interesses antagônicos, constroem suas identidades e memória.
 A memória dos grupos socialmente excluídos em nossa sociedade tem sido, pela classe dominante, alvo de ações violentas, profundamente destruidora de seus suportes materiais. Em respostas a essas ações, as camadas pobres da população, motivadas por fatores de ordem étnica/racial, religiosos, políticos dentre outros, construirão suas memórias, em cujas tradições forjarão suas identidades.
 O racismo, o sexismo e a exploração econômica, não foram “assimilados” pelo conjunto da sociedade brasileira, com a aquiescência de homens e mulheres negras. Ao contrário, africanos e seus descendentes têm subvertido às formas de dominação impostas apesar da imposição de um padrão cultural supostamente universal.
 Frente ao empobrecimento da população negra e o massacre de sua cultura, homens e mulheres, de forma organizada formularam novas formas de vivência, cuja experiência se ancora em padrões materiais e espirituais herdados na tradição africana.
 Nesse contexto, situamos o candomblé, entendido neste trabalho, como prática social de resistência religiosa que no bojo das transformações provocadas, historicamente pela luta de classe; desponta como projeto sócio-político-religioso alternativo ao padrão cultura instituído no Brasil.

Brancos e negros – a cidadania hierarquizada

 A prática discriminatória e o preconceito racial aparecem historicamente como resposta da adoção do sistema do trabalho escravo. Terminado o escravagismo, as sociedades escravocratas passam a se defrontar com a questão de inserção do negro em seus quadros sociais. O sistema escravista propiciou a criação de uma estrutura de privilégios a favor da população branca. Admitir o negro como cidadão significaria perda de benefícios acumulados ao longo da adoção do trabalho escravo.
 Preconceito e discriminação ganham então novos significados e espaços de atuação, voltado para essa defesa de privilégios.
 A trajetória do Brasil e da maioria dos brasileiros espelha fortemente a história de um povo colonizado por descobridores, mercadores, senhores da terra, senhores do capital, senhores do aparato de Estado, senhores da comiseração, pelos donos do poder.
 Roberto da Matta, do mesmo modo, diz que a lógica de nossa sociedade, formada de panelinhas, de cabides e de busca de projeção social encontra-se na desigualdade e na hierarquia como mito da democracia racial, conseqüência da ideologia do branqueamento, ganha forma e corpo a grande violência racista brasileira. A sociedade brasileira pretende que o negro se torne branco. Ela destrói a identidade do sujeito negro e o socializa segundo seus padrões estéticos e culturais.
 No Brasil conforme revela Neusa de S. Souza, ser negro não organiza por si só uma identidade possível de ser afirmada ou negada. Juntam-se às práticas discriminatórias os efeitos advindos da interiorização, pela maioria da população negra, de uma auto imagem desfavorável. Os atos discriminatórios e a violência simbólica passam a regular as aspirações do negro em consonância com que o grupo étnico impõe e define os “lugares apropriados para os negros”.

A pobreza desconstruída

 Beatriz Moreira Costa, 67 anos, conhecida como Mãe Beata de Yemanjá, reúne qualidades inigualáveis. Mulher guerreira, em 1968, migra para o Rio de Janeiro, como muitas mulheres pobres, para “tentar uma vida melhor”.  Superando desafios, hoje, essa mulher com apenas a 3ª série primária constrói a sua história, publicamente, afirmando a contribuição da mulher negra tão silenciada na memória nacional.
 Suas narrativas, acompanhadas de muita emoção e gestos, traduzem a vivência da história coletiva de uma cultura profundamente violentada pelas práticas racistas, sexistas e de exploração do trabalho.
Aposentada da TV Globo, hoje Mãe Beata além do sacerdócio, desenvolve atividades assistenciais e sócio-educativas em sua comunidade de terreiro, o Ilê Omiojuaro. É escritora, publicou o livro Caroço de Dendê, sobre história de terreiro, contribuindo para valorização da tradição oral. Reconhecida nacional e internacionalmente, pela sua importância no meio do candomblé, assim como pelas atividades que vem desenvolvendo em parceria com outras instituições sociais, optamos por conhecer também a sua visão de pobreza.
 Quando indagada sobre pobreza, ela diz:

Essa questão da pobreza vem em toda minha vivência, desde a minha formação com o “gente” aqui no universo. Eu tenho mania de dizer que eu nasci da fome, porque a minha mãe estava grávida e deu vontade de comer peixe e não tinha o que comer em casa e foi pescar no rio, e lá, a bolsa se partiu, tingiu a água do rio toda de sangue e ela saiu do rio e aí eu nasci. Então, eu conheço a fome é desde aí. É por isso, o meu grande interesse em trabalhar a questão das necessidades dos meus semelhantes, em cima, pensando, principalmente no meu povo, do povo negro, do povo africano, de tudo o que eles passaram aqui na sua vinda de África para o Brasil, e a religião tem uma grande parcela dentro disso, porque o comer e o beber,  na  religião afro, é muito importante. É uma comunhão com os deuses, com a natureza, com tudo isso. É muito importante.

Nota-se, que em suas idéias o fator motivador da identidade com os “seus semelhantes” passa pelo reconhecimento histórico de sua cultura, da memória fragmentada pela dominação e exploração do trabalho escravo no Brasil. 
 Do mesmo modo, percebe-se que a pobreza enquanto destituição das condições de vida é negada, e denunciada na prática do candomblé. Se no mundo “profano” se é impedido de comer, o ritual religioso afirma essa necessidade.

Diz Mãe Beata:

“Quando nós fazemos esse sacrifício, nós não fazemos como se faz no açougue, que mate o boi a espetada para depois abrir em filé mingnon, isso e aquilo para vender, nós não matamos o frango por matar, ficar “empendurando”, sangrando no espeto, nos fazemos o sacrifício, é uma troca através de cânticos, orações, lamentos. Em cima daquela troca está toda uma vivência, então, esta troca são trabalhos de revitalização.”

Em seu discurso há também uma forte presença da solidariedade comunitária na busca de soluções para os problemas da população. Em sua concepção, o processo de auto-ajuda é fundamental já que o Estado não responde adequadamente às demandas das populações.
 Esta representação propiciou a criação do IDEC (Instituto de Desenvolvimento Cultura), através da qual Mãe Beata vem desenvolvendo seus trabalhos na área social. Nota-se que, nestas atividades, a questão da história do negro, e de sua cultura, integra o universo de suas preocupações, assim como a história de Nova Iguaçu, dentre outros.
 Articulando-se a outros grupos religiosos, juntamente com outros babalorixás e yalorixás procuraram realizar encontro nas respectivas comunidades para discutir as necessidades do bairro.
 Esse trabalho lhe garantiu notoriedade conduzindo-lhe à articulações político institucionais mais amplas, dentre as quais inclui-se a REDEH (Rede de Desenvolvimento Humano); Grupo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro; Organizações Não-Governamentais ligadas a prevenção de DST/AIDS no Rio de Janeiro, assim como sua participação efetiva no movimento da Saúde no Município de Nova Iguaçu e também do ponto de vista político partidário na década de 80 e 90.
 A questão político partidária e o exercício da cidadania são pontos tocados por Mãe Beata quando se tratou dos Direitos Sociais. Vejamos o que pensa sobre os políticos:

“Eu, há vários anos, fazia aqui um trabalho social por minhas custas e com as pessoas da comunidade, com as mulheres da comunidade, com os próprios filhos-do-terreiro. (...) Todas essas pessoas procuravam me dar ajuda, não só o meu esforço, porque eu sou capaz de não esperar, se eu tiver de pedir, eu vou pedir, se eu tiver de pedir a Deus eu não vou pedir a Santo Antônio, eu vou direto a Deus. Eu bato nas casas de negócio, nos vizinhos, na vizinhança, eu peço para ajudar àqueles que têm mais, ajudar àqueles que têm menos. Aí, eu comecei fazendo esse trabalho, procurei pessoas que passaram a trabalhar junto comigo.
Eu não gosto muito de pedir ao político, porque eu não gosto de dever a minha cabeça a ninguém, porque se errar comigo, eu reclamo na “cara”. Eu tenho essa casa de candomblé construíds as minhas custas e dos meus orixás, eu não tenho um político que chegasse aqui e me desse um cano, uma telha, então ele não pode chegar e dizer que amanhã vai fazer um na minha porta. Se vier, eu vou dizer não quero, não pode botar faixa, pode ser até do PT (Mãe Beata é filiada ao Partido dos Trabalhadores) mas se eu não quiser que eu não devo nada a ele.”

Em seu discurso, enfatizas a necessidade de uma postura de relativa autonomia política:

“(...) Não devo a minha cabeça, não tenho um filho empregado porque político arrumou emprego, eu não viajo porque político arrumou, eu viajo por reconhecimento do trabalho cultural que eu faço. Agora mesmo, viajei para a Califórnia pela URI, o Fórum Global das Religiões do Mundo, fui para Califórnia, São Francisco, Nova York, Memphis, já há reconhecimento do meu trabalho.”

A noção de cidadania, exige, segundo Mãe Beata, um despertar da consciência de negritude e de gênero. Essa consciência que orientará as atitudes críticas diante da discriminação e dominação de gênero e raça.
 A luta pelos direitos de cidadania é diária, cotidiana. Não termina nas instituições formais, como por exemplo, o voto. Ser cidadã é lutar pelo direito de ser reconhecido, segundo a identidade construída na história, com seus pares. É a consciência de ser mulher, trabalhadora e negra.
 Sobre o preconceito, tem a seguinte opinião:

“Nós é que somos os culpados de existir esse preconceito porque se eu chegar no palácio eu não vou querer entrar pela porta da cozinha porque eu moro na Baixada Fluminense. Eu vou querer entrar pela frente, não é porque moro na Baixada que eu vou chegar em Copacabana para visitar uma amiga e vou entrar pela porta dos fundos, sou negra, eu vou me identificar e entrar pelo elevador.
(...) Você por si não constrói o seu direito dentro de você, você não bota na cabeça que você tem esse direito, está na Constituição, não mostramos as pessoas que nós conhecemos esse direito, às vezes até porque as pessoas têm vergonha  não, vai me dar trabalho  me chamou de neguinha, se respeite meu nome é Dona Beatriz, briguei muito na TV Globo Baiana,  meu nome é Beatriz Moreira Costa, eu tenho nome e fui batizada, a mesma coisa aqui no Brasil, eu tenho um poema onde eu digo – me chame de jambo/ de sapoti/ me chame do que quiser/ mas eu sou negra/ sou mulher e estou aqui. Olha que coisa linda, que sonzinho gostoso  Sou negra! Mulher negra! é o mesmo que uma mulher ser mãe solteira e ter vergonha de dizer que é mãe solteira, mulher que tem direito de conceber, de ter um filho, de parir um filho, vai ter vergonha? Ela deve ter é dignidade, vou criar meu filho, vou ensinar para ele ser um cidadão, mas um cidadão brasileiro.”

As atividades assistenciais e sócio-educativas, desenvolvidas no terreiro, passam a ganhar forma, a partir de 1994, quando Mãe Beata integra-se ao ISER, como conselheira no Fundo Interreligioso. Por conta dessa parceria Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro / ISER pode viabilizar o Projeto Ação Viver. Este projeto foi interrompido 8 meses depois por falta de verbas. Basicamente, suas atividades eram voltadas para uma clientela infanto-juvenil e mulheres.
 O projeto Ação Viver, constituía-se de oficinas de corte e costura, cabeleireiro, manicure/pedicure, pintura em tecido, eletricidade industrial, além de oficinas culturais, capoeira e samba de roda.

“Fui convidada para ver a campanha do Betinho, questão da cidadania, da fome, aí eu fui convidada para fazer parte do grupo do ISER. Nós tínhamos discussões todas as semanas, aí o Betinho me conheceu e o grupo todo me conheceu. Sabendo do meu trabalho, fizeram primeiro uma pesquisa sobre mim, e me convidaram para ser uma das conselheiras. Acho que eram 14 ou 15 conselheiros e eu como mulher fui reconhecida como quem tinha um trabalho de base, porque todas as pessoas que trabalhavam, que fosse conselheira, e tivesse um trabalho e quisesse melhorar este trabalho, podia fazer um projeto que teria ajuda de custo. Aí eu fiz um projeto “Ação e Viver” e nesse projeto eu recebi quatro mil dólares e eu mantive aqui em 8 meses, porque depois que o dinheiro acabou, porque era somente para 6 meses, e eu ainda continuei mais 3 ou 4 meses levando o pessoal, era curso de manicure, cabeleireira, costureira, pintura em tecido, as crianças vinham para aqui, passavam o dia, tinham lanche, curso de capoeira, alfabetização, eletricidade industrial.”

Atualmente, a Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro, desenvolve o projeto “Rumo ao Terceiro Milênio”, financiado pela Comunidade Solidária.

“(...) agora eu fiz um projeto para o Comunidade Solidária que é “Rumo ao Terceiro Milênio”, graças a Deus ganhei e vamos abrir um curso de informática para adolescentes, que é criança de 15 a 18 anos, que tenha da 5ª a 8ª série, são 6 meses e a criança vai ter aula de História, Geografia, Português, Matemática e Informática. Para adolescentes da comunidade, para que essas pessoas tenham a sua auto-estima. Veja que a Baixada Fluminense não é só de marginalização, que tem pessoas que querem fazer e às vezes não acham ajuda.”

Conclusão

Por razões históricas as Comunidades de Terreiro de Candomblé concentram-se em regiões urbanas periféricas, nas quais a maioria da população vizinha não dispõe de uma estrutura coletiva básica (hospitais, lazer, escolas, transporte coletivo regular), dentre outros direitos sociais. Esses terreiros, originários no período colonial, são produtos da organização negra e se constituem espaços destinados ao culto religioso.
 Espaço de uma cultura desterritorializada, os terreiros de candomblé se constituem referenciais identitários dos negros (e de outros grupos étnicos), no qual o encontro com o sagrado se constitui uma fonte renovadora de energias propulsora à afirmação das raízes étnicas, culturais e de sua humanidade, não reconhecida no sistema escravista e destituída no regime livre de trabalho.
 Acreditamos que na religião está presente, necessariamente, o esforço de um povo em equacionar uma visão de mundo, sua concepção metafísica, enfim, a maneira de compreender a existência humana, na sua singularidade e universalidade. Na diáspora, a prática religiosa será para o negro uma das formas de resistência e sua descaracterização, enquanto ser humano, e seu despojamento de tudo quanto lhe é caro.
 Acreditamos que a hipótese da realização dos projetos sociais na Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro responde à ausência de projeto governamental é confirmada. O discurso de Mãe Beata, remete a uma noção de trabalho comunitário bastante voltada para experiências de auto-ajuda e mutirões. O engajamento de Mãe Beata no movimento de mulheres, contra as epidemias de HIV, dengue, dentre outras, manifesta sua compreensão da importância da pressão e controle social sob o aparato estatal na luta pelos direitos sociais.

Quanto à segunda hipótese, os projetos realizados na Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro são construções da cidadania popular e afirmam a memória negro-brasileira também é confirmada  na medida que quase todas as atividades valorizam o encontro com a tradição africana.

Quando narrava sobre suas atividades culturais junto aos jovens da comunidade, Mãe Beata, elencou a capoeira, o Encontro das Florestas, atividade de contar histórias, dentre outras.
Daremos destaque as duas últimas por se tratar de experiências que valorizam a tradição oral.
 O Encontro da Floresta: IPADÉ NIGBE, realizado em 1990, ao valorizar o verde, comunga com a ideologia do candomblé, pois, sem o verde, sem as plantas e sem a natureza, a religião africana não tem sentido: “a religião dos orixás é muito  ecológica”,  diz Mãe Beata.
 Para Mãe Beata, a preservação da tradição oral significa fazer história e manter viva a memória da cultura e heranças ancestrais.
 Por fim, acreditamos que as representações de Mãe Beata sobre a pobreza se revelam como propostas históricas de desconstrução da imagem do pobre como ignorante, detentor de uma cultura desqualificada e, portanto, se ancoram num universo simbólico de construção da identidade de um “ser negro” a partir do olhar e da vivência coletiva.

Bibliografia:

BRAGA, JULIO.  “Aspectos da organização sócio-econômica do culto de Baba. Egum o dinheiro no chão e o sentido da hierarquia.”  In: SANTOS, J. E. DOS. (org.). Nossos ancestrais e o terreiro. Salvador: EGBA, 1997.
CHAUI, MARILENA. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
CHIAVENATTO, JULIO JOSÉ.  O negro no Brasil da senzala à Guerra do Paraguai. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
FRANCISCO, DALMIR.  “União na diversidade.” In: SANTOS, J. E. DOS (org.). Novos ancestrais e o terreiro. Salvador: EGBA, 1997.
MATTA, ROBERTO DA. 1980:168, apud  FUNARI, PEDRO PAULO A. “Cidadania e Compadrio: relações de poder e atividade acadêmica em questão.”  In: ARRUDA, GILMAR E DENIPOTI. CLÁUDIO (Orgs.). Cultura e cidadania. Vol. 1. ANPUH-PR, 1996.
MAZZOTTI, ALDA JUDITH ALVES.  “Do trabalho à rua: uma análise das representações sociais produzidas por meninos trabalhadores e meninos de rua.”  In: ANA MARIA QUIROGA FAUSTO (org.). Tecendo Saberes. Rio de Janeiro: Diadorim, 1994.
POLLAK, MICHAEL.  “Memória, esquecimento, silêncio.”  In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, Vol. 2, n. 3, 1989.
ROCHA, AGENOR MIRANDA.  Os candomblés antigos do Rio de Janeiro: a nação ketu: origens, ritos e crenças. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.
SANTOS, MILTON.  A  natureza  do  espaço:  técnica e tempo.  Razão  e emoção. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
SOUZA, NEUZA S.  Tornar-se negro.  Rio de Janeiro: Graal, 1983.
SPOSATI, ALDAÍZA DE OLIVEIRA et al.  Os direitos (dos desassistidos) sociais. São Paulo: Cortez, 1989. Vida urbana e gestão da pobreza. São Paulo: Cortez, 1988, p. 19.
VERGER, PIERRE FATUMBI. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII à XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.

Nenhum comentário:

Postagem em destaque

A importância do Ponto de Referência

O ÂNGULO QUE VOCÊ ESTÁ, MUDA A REALIDADE QUE VOCÊ VÊ Joelma Silva Aprender a modificar os nossos "pontos de vista" é u...